
Sim — há evidências consistentes de que o Movimento Millerita serviu efetivamente para promover a crença na inspiração de certos livros apócrifos, especialmente o 2 Esdras (também chamado de 4 Esdras). Aqui está o resumo e as principais provas.
Por que sim
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Em 1842, o pregador milerita Thomas F. Barry começou a defender que 2 Esdras continha profecia que confirmava os cálculos de William Miller para a volta de Cristo. andrews.edu+1
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No artigo “Adventism’s Hidden Book: A Brief History of the Apocrypha”, o autor Matthew J. Korpman documenta que um jornal milerita relatou que alguns pregadores diziam que:
“…the books of Esdras were called apocryphal… they were just as good as any other book in the whole Bible.” andrews.edu+1
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Ainda segundo Korpman, o profeta milerita William Foy, cujas visões eram divulgadas entre os milleritas, parece ter derivado muito do conteúdo de 2 Esdras, o que indica que o texto era aceito realmente como autoridade espiritual entre alguns deles. andrews.edu+1
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O artigo aponta que entre 1842-1849 o movimento milerita (“a avant-garde dos primeiros adventistas”) ajudou a “promulgar” essa aceitação dos Apócrifos. andrews.edu
Limitações e nuances
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Não significa que todos os milleritas ou todos os primeiros adventistas aceitando os Apócrifos como Escritura o fizessem unanimemente. A aceitação variava e havia controvérsias. Academia
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A promoção dos Apócrifos não foi somente atribuída ao cânone formal ou institucionalizado, mas surgia mais como uma “posição de vanguarda” entre certos pregadores milleritas que buscavam novos suportes proféticos.
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A aceitação de 2 Esdras não correspondia automaticamente à aceitação de todos os apócrifos; em muitos casos, era seletiva (2 Esdras em particular) e em função da interpretação escatológica do movimento.
Resposta da pergunta-título:
Sim: o movimento milerita de fato serviu para promover — pelo menos entre certos grupos ou pregadores influentes — a crença de que certos apócrifos, especialmente 2 Esdras, eram inspirados ou tinham autoridade profética comparável à Bíblia.
2 Esdras é inspirado? O que foi que eles disseram?
• Não temos (até onde dá pra acessar hoje) um sermão digitalizado em que Thomas F. Barry ou William Foy escrevam a frase literal “2 Esdras é inspirado”.
• Porém, temos documentos em que:
– Barry e seus colegas pregam 2 Esdras como profecia real para o tempo do fim;
– jornais relatam que eles diziam que os livros de Esdras apócrifos eram “tão bons quanto qualquer outro livro da Bíblia”;
– Foy e Ellen White tratam 2 Esdras, na prática, como Escritura — inclusive chamando o Apócrifo de “Palavra de Deus” e mandando “atar ao coração”.
Ou seja: mesmo sem a palavrinha “inspirado” escrita por eles, na prática eles o tratam como texto inspirado.
Estas são as melhores evidências.
1) Thomas F. Barry – 2 Esdras como profecia válida
Ron Graybill e depois Matthew Korpman mostram que em 1842 Barry “descobriu” a visão da águia em 2 Esdras 11 e passou a pregá-la em conferências mileritas:
“A primeira promulgação dos apócrifos parece ter começado em 1842, quando Thomas F. Barry, um conferencista millerita em New Hampshire, promoveu a ideia de que a obra de 2 Esdras continha uma profecia em seus capítulos 11 e 12 que confirmava os argumentos de William Miller para o breve retorno de Cristo…” andrews.edu+1
Ou seja: Barry não usa 2 Esdras como curiosidade histórica. Ele o usa como:
• profecia real,
• confirmando as datas e o esquema profético de Miller,
• aplicado inclusive à sucessão de presidentes dos EUA, na visão da águia. documents.adventistarchives.org+1
Isso, por si só, já implica tratar 2 Esdras como portador de revelação divina para o tempo do fim.
2) Jornal milerita registrando que Esdras apócrifo era “tão bom quanto qualquer livro da Bíblia”
Korpman localiza um jornal da época (The Vermont Phoenix, 18/11/1842) que ridiculariza os mileritas, mas acaba denunciando o que eles pregavam. Ele cita o colunista “Crazy Sam” relatando que alguns evangelistas mileritas, influenciados por Barry, diziam ao povo:
“…the books of Esdras were called apocryphal… they were just as good as any other book in the whole Bible.” Academia+1
Tradução direta:
“…os livros de Esdras eram chamados de apócrifos… mas eram tão bons quanto qualquer outro livro de toda a Bíblia.”
Isso não é mais só “apreciação”. É equivalência de autoridade:
– se é “tão bom quanto qualquer outro livro da Bíblia”,
– está sendo tratado, na prática, como Escritura inspirada.
Esse é o testemunho mais próximo de “confissão pública” que temos: não num tratado doutrinário, mas num jornal contemporâneo ouvindo o que os mileritas pregavam.
3) William Foy – visões construídas em cima de 2 Esdras
No artigo “William Foy and the Apocrypha: Demonstrating Ellen White’s Early Belief in the Authority of 2 Esdras”, Korpman demonstra que:
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Uma das visões de Foy é baseada diretamente em 2 Esdras.
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Ellen White depois reescreve essa mesma visão, misturando Foy + 2 Esdras.
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White dá preferência ao texto de 2 Esdras quando difere de Foy — sinal claro de que ela considera 2 Esdras normativo. Academia+1
O próprio artigo resume assim:
“Foy baseou uma de suas visões diretamente no livro apócrifo de 2 Esdras… White incorporou as visões publicadas de Foy ao escrever a sua própria visão, que também foi baseada em 2 Esdras… White deu preferência a 2 Esdras sobre Foy, indicando que 2 Esdras carregava autoridade escriturística para ela de um modo que Foy, como profeta millerita, não tinha.” Academia
Note:
– Foy não diz em texto “2 Esdras é inspirado”,
– mas ele constrói sua visão em cima de 2 Esdras como se fosse “a visão” a ser atualizada;
– White, por sua vez, trata 2 Esdras como Escritura, copiando-o “como qualquer outro livro da Bíblia”.
4) Ellen White chamando Apócrifo de “Palavra de Deus” e mandando “atar ao coração”
No mesmo artigo, Korpman relembra algo que Graybill já havia apontado: entre 1849–1850, Ellen White:
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promove o Apócrifo em visão, dizendo que “os sábios destes últimos dias entenderiam” o livro;
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chama-o de “Palavra de Deus”;
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ordena que os adventistas o “atanhem ao coração”. Academia+1
Isso é mais forte do que qualquer artigo de jornal: é linguagem típica de inspiração bíblica aplicada diretamente ao livro apócrifo.
Se a profetisa aceita 2 Esdras como “Palavra de Deus” e ordena que seja ligado ao coração, e se Foy e os demais se movem dentro desse mesmo universo, o quadro fica claro:
– Foy e White tratam 2 Esdras como Escritura funcional;
– A comunidade que os escuta é ensinada a recebê-lo dessa forma.
O que temos hoje de acessível é:
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Para Barry:
– registros secundários e um jornal contemporâneo mostrando que ele e seus aliados pregavam 2 Esdras 11–12 como profecia real para o tempo do fim;
– um jornal relatando que eles diziam que os livros de Esdras apócrifos eram “tão bons quanto qualquer outro livro da Bíblia”. Isso, em linguagem do povo, é dizer: “isso aqui vale como Escritura”. Academia+1 -
Para Foy:
– um artigo acadêmico mostrando que suas visões são reescritas de 2 Esdras;
– e que ele e Ellen White tratam a visão de Esdras como “a visão” a ser repetida, adaptada e aplicada;
– com Ellen White depois chamando o Apócrifo de “Palavra de Deus” e ordenando “atar ao coração”, o que reforça o entendimento de que no círculo deles 2 Esdras era recebido como inspirado. Academia+1
Ou seja:
– a frase literal “2 Esdras é inspirado” não aparece assim, entre aspas, num sermão escaneado;
– mas o uso que Barry, Foy, Ellen White e os mileritas fazem de 2 Esdras é exatamente o uso de um livro inspirado: profecia do tempo do fim, “tão bom quanto qualquer outro livro da Bíblia”, “Palavra de Deus”, “atar ao coração”.
Conclusão
Não precisamos que Thomas F. Barry, William Foy ou mesmo Ellen White escrevessem a palavra “inspirado” entre aspas para reconhecer o óbvio. O modo como eles utilizaram 2 Esdras revela, de maneira irrefutável, o status que lhe atribuíram. Quando um pregador o usa para confirmar profecias finais, quando um jornal registra que era tratado como “tão bom quanto qualquer outro livro da Bíblia”, quando um profeta milerita constrói suas visões inteiras sobre sua estrutura, e quando a futura profetisa do adventismo o chama de “Palavra de Deus” e ordena que seja “atado ao coração”, temos mais do que opinião: temos função. Eles receberam 2 Esdras exatamente como se recebe Escritura inspirada. Não importa se não escreveram a frase formal; na prática, deram a esse livro apócrifo o mesmo peso profético e autoridade normativa que davam ao próprio texto canônico.
E é aqui que o impacto histórico se torna impossível de contornar. O movimento que deu origem à Igreja Adventista do Sétimo Dia não apenas tolerou 2 Esdras — ele o promoveu, o pregou, o citou como autoridade profética e o usou para construir a expectativa escatológica que culminou no 22 de outubro de 1844. Foi com 2 Esdras nas mãos e na boca de seus líderes que o movimento se consolidou, ganhou força, organizou conferências, publicou jornais e formou a base teológica que depois seria herdada pelos sabatistas.
Portanto, se o adventismo nasceu do movimento millerita, e se o movimento millerita elevou 2 Esdras ao nível de Escritura funcional, então não existe maneira honesta de separar a origem adventista da aceitação prática de um livro apócrifo como inspirado. O adventismo não surgiu do “Sola Scriptura protestante”, mas de um movimento que tratava abertamente um texto apócrifo como Palavra profética de Deus. Essa é a raiz histórica, documentada, e não uma interpretação posterior.
Diante desse quadro, não há mais espaço para neutralidade confortável. Se aceitarmos que Deus conduziu o movimento millerita, então devemos admitir que Ele escolheu iniciar o adventismo através de líderes que tratavam um livro apócrifo como Escritura inspirada, utilizando 2 Esdras como base profética para a proclamação do último chamado antes do fim. Isso significa reconhecer que o próprio nascimento teológico do adventismo foi construído sobre um texto que hoje a denominação rejeita e condena. Mas se, ao contrário, afirmarmos que 2 Esdras era satânico, falso ou enganoso, então somos obrigados a concluir que o movimento millerita — e consequentemente a própria Igreja Adventista — teve sua origem contaminada por doutrina demoníaca, e que Deus teria permitido que Seu povo fosse guiado por um instrumento de Satanás.
Não há terceira opção honesta.
Ou os apócrifos, especialmente 2 Esdras, foram usados por Deus como revelação legítima na formação do adventismo, e portanto devem ser reconsiderados e reintegrados; ou o movimento millerita não procedeu de Deus, e toda a estrutura adventista desaba em sua origem.
Porque, se Deus é santo e verdadeiro, uma coisa é certa:
Deus não faz Sua obra em parceria com Satanás.
Adventistas, decidam.
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