IASD e Liberdade Religiosa

Por Edegard Silva Pereira

Este artigo é uma reflexão sobre a tolerância e a liberdade religiosa, tendo na mira a página adventistas.com, que cumpre a função importante de ser a voz dos sem voz dentro da IASD, a fim de que essa página tenha o direito de existir sem ser ameaçada ou incomodada por questões de opinião.

Antes de tudo, falemos sobre o direito de juízo privado, o mais fundamental dos princípios básicos do Protestantismo, que traz consigo mesmo a idéia de tolerância e de liberdade religiosa. Todos os protestantes realçam a importância da tolerância e da liberdade religiosa. Eles resistem à coação em matéria de fé e prática religiosa. Exigem o livre assentimento do indivíduo.

A divergência capital existente entre Catolicismo Romano e Protestantismo é, não a inspiração e autoridade das Escrituras, mas a questão de saber-se quem é seu verdadeiro intérprete. Os católicos dizem que é a Igreja inspirada. Os protestantes dizem que é o indivíduo inspirado ou iluminado. Portanto, os católicos romanos negam o direito de juízo privado em matéria religiosa, enquanto que os protestantes o afirmam.

Em princípio, o ensino do Catolicismo Romano é oposto à espécie de tolerância e liberdade religiosa que a mente moderna deduziu do direito de juízo privado. Sua  teoria oficial ainda é a de que a única liberdade religiosa verdadeira é a liberdade que tem a verdadeira religião de propagar sua fé; e por verdadeira religião se entende, entretanto, o Catolicismo Romano. Mas, em tempos recentes, ele se tem inclinado à força para o novo espírito de tolerância.

Vê-se claramente o esquema adotado pelo totalitarismo religioso, praticado pelo Catolicismo Romano: proclama ser a religião verdadeira; logo rotula as outras religiões como falsas e, portanto, nega-lhes, em princípio, o direito de juízo privado, conseqüentemente, a tolerância e a liberdade religiosa.

A IASD está situada entre essas duas tendências, o que faz que sua posição seja  ambígua tanto no âmbito interno quanto no externo. No âmbito interno nega a seus membros o direito de juízo privado. Caso alguém ou algum grupo saia da norma estabelecida ou ouse falar outra coisa que não seja amém ao que as autoridades eclesiásticas afirmam, será passível da temível disciplina eclesiástica.

No âmbito externo, a IASD defende o princípio protestante de tolerância e liberdade religiosa. Porém faz isso pensando mais em si mesma, isto é, que as outras igrejas a tolerem e lhe concedam a liberdade de propagar suas crenças. Quanto às demais igrejas, a IASD segue o critério católico romano de totalitarismo religioso: apresenta-se como sendo a Igreja verdadeira e considera às outras como igrejas falsas, apostatadas, às quais dá combate valendo-se de uma tenaz e contínua guerra doutrinária.

Podemos resumir assim os antecedentes dessa atitude ambígua: Sabemos que durante muitas décadas, desde seu surgimento, a IASD enfrentou a oposição de protestantes e católicos romanos tardios na percepção do direito de juízo privado. Então ela invocou esse princípio fundamental do Protestantismo (e das democracias desenvolvidas) e até criou o Departamento de Liberdade Religiosa para fazer lobby entre os legisladores. Mas, na medida em que fortalecia o totalitarismo religioso e arrogava a condição de ser a Igreja verdadeira, cristalizou suas opiniões em um rígido conjunto doutrinário e tornou-se uma comunidade obscura, restrita e punitiva. Pois a pretensão de absoluta autoridade em questões de fé e prática religiosa é irreconciliável com o direito de juízo privado, portanto, com a tolerância e a liberdade religiosa. Daí que a IASD se tem envolvido na inconsistência de advogar a liberdade religiosa como um dever, negando-a freqüentemente a seus adeptos e às outras denominações cristãs.   

Somente as pessoas de mente aberta afirmam o direito de juízo privado. E possuir a mente aberta é uma virtude que todos louvam e poucos possuem. Sem dúvida, ela é condição necessária ao seguidor de Cristo. Mas, em minha experiência, constatei que na IASD predominam a estreiteza de mente, os preconceitos embrutecedores, a indiferença (com raras exceções, dirigentes, pastores e membros são como o sol de inverno — brilhante, mas frio), e o orgulho de ser os donos da verdade. Mesmo achando que a doutrina da IASD não tem paralelo com protestantes e católicos romanos, não são poucos os adventistas que reduzem suas convicções ao mínimo denominador comum, principalmente as sobre a fraternidade cristã. 

É claro, quando se afirma o direito de juízo privado, desenvolvem-se as divergências de opinião. E quando as opiniões se cristalizam em credos e confissões de fé, eles se tornam rochas sobre as quais as comunhões se fragmentam e em barreiras intransponíveis entre denominações e indivíduos. Não há tolerância religiosa quando ela está longe da fraternidade cristã.  E não há verdadeira liberdade religiosa, e muito menos fraternidade cristã, se não tentamos energicamente compreender aqueles de quem divergimos em questões de fé e prática religiosa.

A liberdade religiosa também é impossível quando alguém quer impor algo a outro ou quer acabar com a diferença pela força. A mente obtusa não vê a riqueza que há na diferença. Mas a mente aberta é humilde. Reconhece a vastidão da verdade e as limitações da razão. Não se enche de satisfação própria, estreiteza ou fanatismo. Sabe que não pode compreender a revelação divina plenamente, nem ainda aplicá-la com inteira sabedoria. Porém sabe que o fim de tal revelação é criar fraternidade cristã.

Em geral, os adventistas têm enormes dificuldades em dialogar e não suportam ser contrariados em suas opiniões. Em vez de dialogar, dirigentes e pastores preferem eliminar a oposição. E eliminar a oposição é uma atitude característica dos regimes despóticos. Portanto, não é de se estranhar que o site adventistas.com incomode, e muito, certos dirigentes da IASD.

Face às ameaças que recebe, esse site deve seguir firme em seu propósito. Pois o chamado “mundo livre” lhe garante o direito de juízo privado. E não acredito que a justiça de algum país do “mundo livre” vá acolher as ameaças feitas ao referido site pela Conferência Geral ou qualquer outro organismo da IASD. O que realmente importa é não abrir mão do direito de juízo privado, e afirmar a tolerância e a liberdade religiosa como condição absolutamente necessária à fraternidade cristã.   

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