Histórias que Ninguém Contou nos Encontros J.A.
Mártires do Século XX - 2

Heróis na Alemanha

Milhares de adventistas encheram-se de consternação e começaram a protestar quando leram a Circular de 2 de agosto de 1914, assinada pelo pastor G. Dail, secretário da Divisão Européia, e que continha as seguintes instruções:

"Devemos cumprir de bom grado nossos deveres militares enquanto estivermos servindo o exército ou quando formos chamados a servir, para que os oficiais encarregados encontrem em nós bravos e fiéis soldados, dispostos a morrer por seus lares, por nosso exército e por nossa Pátria."

Para agravar a aflição desses adventistas não-combatentes, o compromisso da liderança, de acordo com a declaração submetida pela União da Alemanha Oriental ao Ministério da Guerra (4 de agosto de 1914), assinada pelo presidente da União, H. F. Schuberth, foi providencialmente trazido ao conhecimento deles poucos dias depois. Dizia essa declaração:

"Comprometemo-nos a defender a pátria e, nessas circunstâncias, também portaremos armas no Sábado."

Outra coisa que chocou esses poucos fiéis foi a publicação do livreto Der Christ und der Krieg (O Cristão e a Guerra) em 1916. Na página 18, três dos principais líderes adventistas da Alemanha fizeram a seguinte declaração:

"Em tudo quanto dissemos, mostramos que a Bíblia ensina: primeiro, que tomar parte na guerra não é transgressão do sexto mandamento; segundo, que fazer serviço militar no Sábado não é transgressão do quarto mandamento."

Ninguém pode negar que ocorreu uma mudança fundamental na posição doutrinária da Igreja Adventista na Alemanha e que essa mudança afetou a Lei de Deus diretamente. Uma crise, seguida de separação, foi a conseqüência inevitável.

Mesmo os de fora comentaram sobre esse acontecimento. Um ministro luterano escreveu:

"A Guerra Mundial acarretou grande crise ao adventismo alemão. O Koelnische Zeitung (Jornal de Colônia), de 21 de setembro de 1915, escreve: ‘Depois do início da guerra ocorreu um cisma entre os seguidores do adventismo. A maioria queria que seus ensinos fundamentais ficassem invalidados durante o tempo da guerra. A outra parte, ao contrário, desejava a santificação do Sábado mesmo durante esse tempo difícil. Essas diferenças de opinião resultaram finalmente na exclusão dos seguidores da antiga fé da igreja.’ Acima de tudo foi essa posição para com o serviço militar em geral que causou essa divisão.


L. R. Conradi

"Já em 4 de agosto de 1914, a grande maioria dos adventistas alemães havia declarado num comunicado extremamente subserviente ao Ministério da Guerra em Berlim: ‘Neste atual e solene tempo de guerra, consideramo-nos compelidos por uma questão de dever a permanecer em defesa da Pátria, bem como, sob estas circunstâncias, a portar armas no Sábado.’ Declaração semelhante foi enviada ao escritório do general comandante da sétima região militar em 5 de março de 1915. Assinavam essa declaração L. R. Conradi, presidente da Divisão Européia dos Adventistas, e P. Drinhaus, presidente da Associação Saxônica. 

"Adotou-se, portanto, uma posição oficial contrária aos ensinos pacifistas adotados pela Associação Americana [dos adventistas]. Por essa razão, parte dos adventistas alemães opuseram-se a essa resolução oficial. Essa discordância resultou em amargo conflito. Os adventistas que eram favoráveis à participação na guerra e que se haviam tornado desleais aos princípios originais, voltaram-se de modo impetuoso contra os seguidores dos antigos ensinos. 

"Num artigo publicado no Dresdener Neueste Nachrichten (As Últimas Notícias de Dresden), 12 de abril de 1918, eles chamam essas pessoas de ‘elementos irrazoáveis’ com ‘idéias tolas’, chegando a dizer as seguintes palavras indelicadas: ‘Consideraríamos na realidade um favor feito a nós se tais elementos recebessem o destino que merecem.’ No mesmo artigo, em exaltação a seus próprios méritos, narram detalhadamente seus feitos pela Pátria. Achamos que essa contenda é algo extremamente desagradável. Por outro lado, os seguidores dos ensinos primitivos, num número especial de seu periódico, Waechter der Wahrheit (Sentinela da Verdade), narram a grosseria sofrida da parte de seus irmãos hostis." Dr. Konrad Algermissen, Die Adventisten (Os Adventistas), págs. 22-24 (livreto publicado em 1928).

Um panfleto publicado pela Igreja Adventista na Alemanha tentou explicar nos seguintes termos a crise que acometeu o povo adventista durante a Primeira Guerra Mundial:

"Como filhos do Pai celestial, eles [os adventistas] cultivam a paz entre si e com os seus semelhantes em todo o mundo. Ao mesmo tempo, buscam, nesta época solene, manter os princípios que o Senhor da cristandade deu aos que são a luz e o sal da Terra. Onde existe recrutamento geral, eles [os adventistas] têm sempre estado prontos, como denominação, a cumprir seus deveres tanto em tempos de paz como em tempos de guerra, a exemplo de todos os outros cidadãos leais. Na observância do sétimo dia semanal, que é sua característica peculiar, desejam apenas ter os mesmos direitos outorgados a outros religiosos com respeito a seu dia de repouso.

"Ao eclodir a guerra, a denominação agiu firmemente de acordo com a lei do recrutamento, conforme seus membros tinham feito em tempos de paz. Desejavam, se possível, os privilégios que podiam ser concedidos a outros sob as mesmas circunstâncias. Milhares de seus membros estão no exército. Muitos deles tombaram no campo da honra na Europa e alguns nas colônias, ao passo que muitos outros receberam condecorações ou foram promovidos. Além disso, no início da guerra, muitos de seus membros, tanto homens como mulheres, trabalharam voluntariamente prestando serviços em ambulâncias, e a denominação colocou sem hesitar suas espaçosas instalações da missão à disposição da Cruz Vermelha.

"No decurso da guerra, contudo, houve lamentavelmente alguns membros que deixaram de confessar abertamente às autoridades suas próprias dúvidas pessoais de consciência, e preferiram afastar-se secretamente de seus deveres e ficar perambulando de lugar em lugar induzindo outros, pela palavra falada ou escrita, a adotar o mesmo procedimento. Quando a denominação os chamou a prestar contas pela sua conduta, acusaram os líderes de estar em apostasia. Portanto, eles tiveram de ser excluídos da comunhão, não por causa de suas convicções pessoais, mas devido à sua atitude anticristã e por se haverem tornado uma ameaça tanto à paz interna como à externa." —Zur Aufklaerung (Esclarecimento), págs. 2 e 3.

Numa carta circular intitulada The European Situation (A Situação Européia), o pastor C. H. Watson deu a seguinte explicação:

"Houve na Alemanha, e nesses outros países em questão, uma minoria de nossos crentes que se recusaram a seguir a liderança de Conradi e outros a participar na guerra como combatentes.

"Esses foram submetidos a muito sofrimento nas mãos de seus governos devido à posição que defendiam.

"Na Alemanha, os que se posicionaram contrariamente à ímpia ação de Conradi em submetê-los à guerra foram tratados com grande rudeza por ele e seus aliados. A resistência da minoria ao serviço militar ameaçava comprometer todo o corpo de adventistas aos olhos do governo alemão, e, para evitar isso, Conradi mandou que excluir a minoria da igreja.

"Assim a minoria não-combatente daquele país foi posta fora da igreja, e essa separação continuou através dos anos da guerra.

"Quando esse estado de coisas se tornou conhecido dos líderes da Conferência Geral, eles ficaram profundamente preocupados e enviaram W. A. Spicer à Alemanha num tempo em que era extremamente grave o perigo do submarino alemão. O irmão Spicer colocou em perigo sua própria vida a fim de obter informações de primeira mão sobre aquela situação.

"O resultado dessa visita foi que a Conferência Geral obteve informações diretas acerca:

a. do erro cometido contra essa minoria de crentes,

b. da divisão e rivalidade resultantes entre nossos membros alemães,

c. do desenvolvimento de amargura em ambos os grupos, e especialmente nos que foram injustiçados pelo procedimento de Conradi,

d. dos pontos de vista extremos a que esses grupos estavam impelindo uns aos outros com as suas diferenças."

Enquanto Conradi foi líder da denominação ASD, os representantes da Conferência Geral encobriram seus defeitos e o defenderam. Depois que ele deixou a Igreja Adventista, alguns líderes começaram a admitir o que deveriam ter admitido no início das dificuldades (1914-1920).

O reconhecimento do pastor Watson, contudo, é uma raríssima exceção. Ignorando os aspectos fundamentais do problema como um todo, as publicações adventistas que tratam dessa grande crise geralmente fogem do assunto. Um desses aspectos é que a minoria fiel foi excluída — fato que é normalmente ocultado.

Outra rara admissão da responsabilidade da igreja no tratamento dispensado aos objetores de consciência, encontra-se num livreto publicado pela Southern Publishing Association (Associação Publicadora do Sul), Nashville, Tennessee:

"Na verdade o movimento ‘de reforma’ ... nasceu na Alemanha durante a Guerra Mundial, enquanto [L. R.] Conradi era o líder da denominação Adventista do Sétimo Dia em toda a Europa. Aquele movimento, como é hoje e como tem sido desde que veio à existência, é praticamente a expressão de um protesto de grande número de adventistas do sétimo dia, não contra os ensinos da denominação, mas contra a ações arbitrárias de um homem, Conradi, e de alguns outros que estavam unidos a ele em sua liderança da igreja na Europa — ações que praticou sem consulta, permissão ou mesmo conhecimento da Conferência Geral. A saída desses crentes não proveio de uma ‘batelada de erros grosseiros e de uma hierarquia dominadora’, mas da liderança de Conradi que, sem ouvir-lhes a voz ou receber deles permissão, mandou que fossem submetidos ao canhão e à baioneta no campo de batalha. Desde a hora em que ele tão sordidamente as traiu, perderam completamente a fé que tinham nele como homem, como ministro ou líder da igreja de Deus." — Walter H. Brown, Brown Desmascara Ballenger, pág. 30.

É verdade que Conradi e outros líderes da Europa traíram a confiança dessas "vítimas infelizes", conforme o pastor Brown admite em sua defesa escrita contra Ballenger. Mas o pastor Brown está grandemente equivocado ao dizer que Conradi agiu "sem consulta, permissão ou conhecimento da Conferência Geral", pois as evidências provam exatamente o contrário. Além disso, o pastor Brown não declara os fatos corretamente quando diz que houve um "protesto" e uma "saída". Ele deveria ter dito que houve um "protesto" e uma "exclusão".

Durante a Primeira Guerra Mundial, bem mais de dois mil não-combatentes foram expulsos da Igreja Adventista na Alemanha. Juntamente com os objetores de consciência de outros grupos religiosos, esses crentes fiéis foram submetidos à mais dura prova que os cristãos já foram chamados a suportar. Visto que a Alemanha não dispunha de uma provisão para acomodar esses heróis da fé, eles tiveram que enfrentar o pelotão de fuzilamento ou suportar os horrores da prisão.

Durante uma assembléia realizada na Iugoslávia, em 1933, o irmão Otto Welp apresentou o seguinte relatório, publicado por nossos irmãos iugoslavos:

"A sentença pronunciada contra os objetores de consciência era que, dentre os homens qualificados para o exército, um de cada dez devia ser executado. Depois, se os outros não cedessem, todo quinto homem seria morto, e finalmente cada segundo." Só Deus sabe, e o dia do juízo revelará, quantos adventistas não-combatentes foram realmente executados. Naquele tempo eles eram muitas vezes desprezados como covardes que temiam ir para a frente de batalha, embora hoje em dia sejam considerados heróis que se recusavam a tirar a vida humana e que não temiam morrer por suas convicções. Os que sobreviveram ao fuzilamento foram mantidos na prisão até o fim da guerra.

De igual modo, em outros países que tomaram parte na guerra, os adventistas fiéis passaram por grandes dificuldades.

Leia também:

Série Completa:

Conheça a História dos Heróis Adventistas Modernos

Fonte: http://www.asd-mr.org.br/biblioteca/reforma/cap05.htm

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