O Trágico Destino de Miguel Serveto,
o Médico que Calvino Mandou Matar
O
nome de Miguel Servet, ou Michael Servetus em latim, acha-se
definitivamente incorporado à história da medicina. Servet foi um
precursor de Harvey na descoberta da circulação sangüínea. Foi quem
primeiro descreveu a circulação pulmonar com exatidão.
Nascido em Aragão, na Espanha, seu verdadeiro nome de
família era Michael Villanueva. O nome de Serveto,
por ele mesmo adotado, transformou-se em Servet, em francês, e
Servetus, em latim.
Espírito irrequieto, combativo, devotado a questões
transcendentais de natureza religiosa e filosófica, viveu de 1511 a 1553,
em meio às disputas religiosas resultantes da Reforma liderada por Lutero
e Calvino.
Estudou leis em Toulouse, teologia e hebraico em Louvain,
e medicina em Paris e Montpelier, tendo-se destacado por seu interesse
pela anatomia.
Durante
toda a sua vida, Servet escreveu sobre questões religiosas e
dedicou-se à exegese da Bíblia. Pregava a volta a um cristianismo "puro",
tal como fora ensinado por Jesus. Um dos dogmas da Igreja por ele
contestado, e que o fez cair em desgraça, foi o da Santíssima Trindade. As
suas idéias e os seus escritos desagradaram tanto aos católicos como aos
protestantes.
É interessante conhecer a razão de seu interesse pela
circulação pulmonar. Está escrito na Bíblia que "a alma da carne é o
sangue" (Lev. 17.11) e que "o sangue é a vida (Deut. 12.23). No livro dos
Salmos (104. 29), por sua vez, a importância da respiração para a
manutenção da vida é ressaltada nas seguintes palavras: "se lhes tira a
respiração, morrem, e voltam para o seu pó".
Essas passagens bíblicas levaram Servet a estudar
a circulação pulmonar, onde o sangue e o ar se misturam, pois no seu
entender, o conhecimento da circulação pulmonar conduziria a uma melhor
compreensão da natureza da alma.
Sua descrição da circulação pulmonar está assim
redigida:
"A
força vital provém da mistura, nos pulmões, do ar aspirado e do sangue que
flui do ventrículo direito ao esquerdo. Todavia, o fluxo do sangue não se
dá, como geralmente se crê, através do septo interventricular. O sangue
flui por um longo conduto através dos pulmões, onde a sua cor se torna
mais clara, passando da veia que se parece a uma artéria, a uma artéria
parecida com uma veia".
Admite-se que Servet tenha realizado observações
próprias em animais para chegar a essa conclusão, embora não as tenha
mencionado.
A sua descoberta da circulação pulmonar foi divulgada em
um livro sobre religião, intitulado Christianismi restitutio,
que foi considerado hereje, confiscado e incinerado. Salvaram-se apenas
três exemplares, um dos quais se encontra em Paris, outro em Viena e outro
em Edimburgo. Uma segunda edição, publicada em Londres em 1723, foi
novamente apreendida e incinerada.
Acusado
de heresia, Servet foi preso e julgado em Lyon, na França.
Conseguiu evadir-se da prisão e quando se dirigia para a Itália, através
da Suíça, foi novamente preso em Genebra, julgado e condenado a morrer na
fogueira, por decisão de um tribunal eclesiástico sob direção do próprio
Calvino. A sentença foi cumprida em Champel, nas proximidades de Genebra,
no dia 27 de outubro de 1553.
Puseram-lhe na cabeça uma coroa de juncos impregnada de
enxofre e foi queimado vivo em fogo lento com requintes de sadismo e
crueldade.
A sua descoberta foi por muito tempo ignorada pela
medicina oficial.
Um monumento em sua memória foi erguido em 1903, em
Champel, assinalando o local de sua morte.
Joffre M. de Rezende
Membro da Sociedade Brasileira e da Sociedade
Internacional de História da Medicina
Fonte:
http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/Servet.htm
Leia também:
|