Um arranjo preterista dos textos, sinais históricos e hipóteses sobre a Parousia
Tese: Os evangelhos e o Apocalipse permitem ler que Jesus voltou em julgamento sobre Jerusalém no séc. I, com cumprimentos parciais já realizados (66–70 d.C.), enquanto a Igreja ainda aguarda a consumação final.
1) As promessas temporais de Jesus
Textos como Mt 24; Mt 16:28; Mt 10:23; Mc 8:38–9:1; Mc 14:61–62; Jo 21:22 colocam a expectativa de retorno “nesta geração”, envolvendo inclusive a vida de figuras como João e Caifás. A partir disso, adota-se uma leitura preterista: grande parte das profecias de fim dos tempos tem cumprimentos no séc. I, especialmente no cerco e queda de Jerusalém.
2) Aparições nas nuvens (66 d.C.) e o motivo do julgamento
Logo no início da Guerra Judaica (66 d.C.), relatos antigos descrevem exércitos e carruagens nas nuvens, imagem que ecoa Ap 19:11–15 e outras passagens de teofanias de juízo:
“Antes do pôr do sol, carruagens e tropas de soldados em suas armaduras foram vistas correndo entre as nuvens e cercando cidades.”
— Josefo, Guerras 6.5.3
A cena não seria a segunda vinda consumada, mas um sinal de juízo divino sobre a nação — um cumprimento parcial dentro do padrão bíblico de múltiplos cumprimentos.
3) Múltiplos cumprimentos: como a Bíblia opera
A Escritura recorre a tipos/figuras e cumprimentos escalonados. Assim:
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Jesus ascende (At 1:9–11) e reina à direita do Pai (At 3:19–21; Hb 9:24; 1Pe 3:22).
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Permanece conosco (Mt 28:20; 18:20), mas seu trono é a Jerusalém celestial (Hb 12:22; Gl 4:26; Jo 18:36).
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As manifestações de juízo no séc. I refletem o modo veterotestamentário de Deus “vir nas nuvens” (Sl 18; 2Sm 22; Is 66:15–16).
4) O princípio apotelesmático: múltiplos cumprimentos proféticos
O estudo da escatologia cristã mostra que muitas profecias bíblicas não se esgotam em um único evento. É aqui que entra o princípio apotelesmático, uma regra de interpretação que ensina que certas profecias podem ter cumprimentos múltiplos ou progressivos: um cumprimento imediato/parcial na história e outros reiterados ou culminantes em momentos posteriores.
A palavra apotelesmático vem do grego apotélēsma, que significa “resultado” ou “efeito final”. Isso indica que a profecia pode ser parcialmente cumprida em diferentes estágios, mas só encontrará sua plenitude no clímax final do plano de Deus.
Exemplos bíblicos
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A profecia de Emanuel (Is 7:14) teve um cumprimento imediato nos dias do rei Acaz, mas seu sentido pleno se realizou em Jesus (Mt 1:23).
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O chamado “Do Egito chamei meu Filho” (Os 11:1) refere-se a Israel no Êxodo, mas também a Jesus retornando do Egito (Mt 2:15).
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O “Dia do Senhor” foi vivido em juízos históricos (invasões assírias, babilônicas, etc.), mas aponta para um juízo último.
Aplicação à Parousia
A segunda vinda de Cristo segue o mesmo padrão. O juízo de Jerusalém no século I representa um cumprimento apotelesmático: real, histórico e significativo, mas não exclusivo. A Igreja ainda aguarda a consumação definitiva da promessa — a ressurreição e a renovação de todas as coisas.
Assim, o apotelesmático explica como Jesus pôde anunciar uma vinda “naquela geração” (com sinais claros entre 66–70 d.C.) e, ao mesmo tempo, manter em aberto a esperança escatológica final. Em outras palavras: a profecia se cumpre em camadas, até atingir seu efeito máximo no fim da história.
5) O que é “Parousia”?
Parousia (gr.) designa visita/presença prolongada de um rei ou autoridade. Aplicado a Cristo:
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Ele parte, reina no céu, e visita em juízo, retornando em seguida ao trono.
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A presença de Cristo em Israel entre 66–70 d.C. — com sinais e aparições — encaixa no uso histórico do termo: uma visita estendida seguida de partida.
6) Linha do tempo das manifestações (66–70 d.C.)
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66 d.C. – Início da guerra: visão de cavaleiros/carruagens nas nuvens (eco de Ap 6 e Ap 19).
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68 d.C. – Massacre idumeu: tempestade extrema e abalos (ver abaixo), padrão de “vinda nas nuvens”.
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70 d.C. – Cerco e queda: juízo culminante contra Jerusalém.
7) A “Nuvem de Glória”: sinais típicos da presença divina
A presença do Senhor é frequentemente associada a nuvens densas, fogo/relâmpagos, trovões, ventos fortes e terremotos (Êx 40; Lv 16:2; Ez 1; Sl 18; Sl 97; Is 29:6).
Joel 2:10–11 sintetiza: tremer da terra, escurecimento celeste e o Senhor à frente do seu exército.
68 d.C.: a tempestade idumeia como sinal de juízo
Quando 20 mil idumeus chegaram a Jerusalém (68 d.C.), Josefo narra uma tempestade prodigiosa: ventos fortíssimos, pancadas de chuva, relâmpagos, trovões terríveis e terremotos — imediatamente seguida de grande mortandade dentro da cidade.
Esse encadeamento reproduz o padrão profético: sinais da presença → juízo.
8) “Jesus, filho de Ananus”: eco profético?
Josefo também registra um Jesus, filho de Ananus (um lavrador) que, a partir da Festa dos Tabernáculos (62 d.C.), proclama por anos um lamento profético sobre Jerusalém, é açoitado por autoridades e morre na Páscoa durante o cerco — paralelos notáveis com o ministério, sofrimento e silêncio de Jesus nos Evangelhos.
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Hipótese: não se afirma dogmaticamente que seja Jesus Cristo reencarnado.
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Leitura possível: como no AT (teofanias) e após a ressurreição, Deus pode representar-se por testemunhas e figuras-sinal (cf. Ap 11; Mt 25:40; At 9:5; Ef 5:29–30).
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Tempo de atuação: os números em Josefo oscilam entre 3,5 anos (paralelo simbólico forte) e 7 anos e 5–6 meses; de todo modo, o padrão profético permanece.
Nota simbólica: o sobrenome “filho de Ananus” pode aludir, em chave irônica, ao sumo-sacerdócio (Ananus e sua linhagem) — contrapondo-o ao sumo sacerdote perpétuo (Hb 7:24) e à injustiça contra Tiago, irmão do Senhor (m. 63 d.C.), fato que muitos antigos viram como gatilho do juízo.
9) Amarração bíblica das cenas celestes
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Ap 6:1–8 (cavaleiros) precede trombetas/taças; Ap 19:11–16 traz o Cavaleiro no Branco à frente do exército — cenários coerentes com sinais iniciais em 66 d.C.
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As imagens ecoam Dt 33:2; Hc 3:3–15; Zc 14:5; 2Rs 6:17; Sl 68:17; Zc 6:1–8 e até 2 Mac 5:1–4 (fenômenos celestes militares).
10) O que fica afirmado — e o que fica em aberto
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Afirmado: há base bíblica e histórica para um juízo real de Cristo sobre Jerusalém no séc. I, com sinais e aparições coerentes com a linguagem profética da vinda nas nuvens.
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Aguardado: a Igreja continua esperando a consumação definitiva da esperança cristã (ressurreição, plena restauração), em conformidade com as promessas do NT.
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Em aberto: a identificação pessoal de “Jesus, filho de Ananus” com Jesus Cristo não pode ser dogmatizada; trata-se de hipótese ou figura representativa dentro do padrão bíblico de testemunho/teofania.
OBS.: Embora cite o historiador Milman, Ellen G. White se refere a esse “Jesus, filho de Ananus” como “um ser estranho”:
“Durante sete anos um homem esteve a subir e descer as ruas de Jerusalém, declarando as desgraças que deveriam sobrevir à cidade. De dia e de noite cantava ele funebremente: ‘Uma voz do Oriente, uma voz do Ocidente, uma voz dos quatro ventos! uma voz contra Jerusalém e contra o templo! uma voz contra os noivos e as noivas! uma voz contra o povo!’ — Ibidem. Este ser estranho foi preso e açoitado, mas nenhuma queixa lhe escapou dos lábios. Aos insultos e maus-tratos respondia somente: ‘Ai! ai de Jerusalém!’ ‘Ai! ai dos habitantes dela!’ Seu clamor de aviso não cessou senão quando foi morto no cerco que havia predito.” — O Grande Conflito, pág. 30.
Conclusão
Lendo os textos de tempo dos Evangelhos à luz dos sinais 66–70 d.C., a Parousia pode ser entendida como visita régia de juízo prolongada sobre Jerusalém, com cumprimentos parciais que não esgotam a esperança cristã. A tipologia bíblica, as teofanias nas nuvens e os relatos de Josefo formam um quadro coerente para um preterismo responsável: Cristo veio em juízo no séc. I e virá em plenitude para consumar sua obra.
Fontes indicadas (seleção)
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Revelation Revolution (vários artigos sobre evidências históricas de aparições em 66–70 d.C.)
– What is Preterism… • Historical evidence that Jesus was literally seen in the clouds… • The appearance of Christ in A.D. 68 • Coming Christ in A.D. 70… • Historical appearance… fulfills 2Th 2:8 & Rev 19:19–20 -
Biblical Blueprints – Revelation 1:7–8; Revelation 22:12
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Revelation in Grace – Who saw His return?
(Citações bíblicas e de Josefo conforme mencionado no corpo do texto.)
APÊNDICE 1
O princípio apotelesmático: múltiplos cumprimentos proféticos
O estudo da escatologia cristã mostra que muitas profecias bíblicas não se esgotam em um único evento. É aqui que entra o princípio apotelesmático, uma regra de interpretação que ensina que certas profecias podem ter cumprimentos múltiplos ou progressivos: um cumprimento imediato/parcial na história e outros reiterados ou culminantes em momentos posteriores.
A palavra apotelesmático vem do grego apotélēsma, que significa “resultado” ou “efeito final”. Isso indica que a profecia pode ser parcialmente cumprida em diferentes estágios, mas só encontrará sua plenitude no clímax final do plano de Deus.
Exemplos bíblicos
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A profecia de Emanuel (Is 7:14) teve um cumprimento imediato nos dias do rei Acaz, mas seu sentido pleno se realizou em Jesus (Mt 1:23).
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O chamado “Do Egito chamei meu Filho” (Os 11:1) refere-se a Israel no Êxodo, mas também a Jesus retornando do Egito (Mt 2:15).
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O “Dia do Senhor” foi vivido em juízos históricos (invasões assírias, babilônicas, etc.), mas aponta para um juízo último.
Aplicação à Parousia
A segunda vinda de Cristo segue o mesmo padrão. O juízo de Jerusalém no século I representa um cumprimento apotelesmático: real, histórico e significativo, mas não exclusivo. A Igreja ainda aguarda a consumação definitiva da promessa — a ressurreição e a renovação de todas as coisas.
Assim, o apotelesmático explica como Jesus pôde anunciar uma vinda “naquela geração” (com sinais claros entre 66–70 d.C.) e, ao mesmo tempo, manter em aberto a esperança escatológica final. Em outras palavras: a profecia se cumpre em camadas, até atingir seu efeito máximo no fim da história.