Como o “Napoleão da Imprensa” millerita institucionalizou o uso dos Apócrifos, deu autoridade profética a 2 Esdras e moldou a certeza que levou milhares a acreditar no fim do mundo em 1843/1844

Wikipedia — Joshua Vaughan Himes (19 de maio de 1805 – 27 de julho de 1895) foi um líder cristão, editor e promotor de inovadores intelectuais e reformistas sociais. Ele se envolveu com os seguidores de William Miller e mais tarde se tornou um líder proeminente na Igreja Adventista Cristã (ACC).
Himes nasceu em Wickford, Rhode Island , filho de Stuckeley Himes e Elizabeth Vaughn Himes. Seus pais pretendiam que ele se tornasse um padre episcopal , mas quando Himes tinha doze anos, seu pai entrou em ruína financeira quando um capitão de navio desapareceu com uma carga valiosa, deixando Stuckeley com dívidas imensas. Himes, incapaz de pagar seus estudos no seminário, foi então aprendiz de marceneiro em New Bedford, Massachusetts.
Aos 18 anos, Himes ingressou na igreja Christian Connexion em New Bedford, onde recebeu licença como exortador (provavelmente, um cargo inicial — ele podia pregar e pastorear uma igreja, mas não era um ministro ordenado). Em novembro de 1825, casou-se com Mary Thompson Handy e, no ano seguinte, foi ordenado ao ministério.
Nos anos subsequentes, pastoreou diversos distritos em Massachusetts, antes de se tornar pastor da Primeira Igreja Cristã em Boston, em 1830. Lá, ganhou destaque, revitalizando uma igreja à beira da extinção e tornando-se ativo nos movimentos de reforma educacional, de temperança, pacifista e abolicionista da época.
Em 1836, ele deixou a Primeira Igreja Cristã (alguns estudiosos afirmam que ele foi forçado a deixar seu cargo devido ao seu foco exclusivo em movimentos de reforma social).
Com apenas dezesseis membros, ele iniciou uma nova congregação no Lyceum Hall, na Hanover Street; dois anos depois, eles se mudaram para um novo santuário que se tornaria a Capela da Chardon Street, dedicada em 6 de novembro de 1838. Em 29 de novembro de 1842, quando Himes renunciou ao cargo em favor de John Starkweather, o número total de membros da congregação era de 410.
Himes encontrou William Miller duas vezes antes de recrutá-lo: primeiro, em uma Conferência da Conexão Cristã em Calais, Vermont; a segunda vez, em Groton, Massachusetts, em 1839, por recomendação de David Campbell (que mais tarde se tornaria um crítico fervoroso da interpretação profética de Miller). Impressionado com o que observou, Himes o convidou para falar na Capela da Rua Chardon, em Boston.
A partir dessas palestras, Himes convenceu-se do iminente retorno de Cristo e buscou oportunidades para que Miller pregasse. Em 1840, ele publicou e editou o primeiro jornal millerita, Signs of the Times , em Boston. Ele liderou a organização de conferências gerais e acampamentos religiosos, e publicou centenas de panfletos, bem como a segunda e a terceira edições das palestras de Miller.
Himes organizou extensas turnês de palestras para Miller e para si próprio, chegando até Cincinnati, no oeste do país, providenciou a fabricação da “grande tenda”, na época a maior tenda dos Estados Unidos, para uso nessas turnês, e estabeleceu uma rede de agentes, pontos de venda de livros e salas de leitura de Boston a St. Louis . Ele também publicou a litografia de Thayer do primeiro mapa profético millerita, projetado por Charles Fitch e Apollos Hale.

O trabalho promocional de Himes levou o Millerismo à atenção do mundo, estendendo-se ao Canadá e à Inglaterra. Em 1842, ele fundou um segundo jornal, o Midnight Cry, na cidade de Nova York. Ele renunciou ao cargo de pastor da Chardon Street Chapel em novembro do mesmo ano e, ao concentrar seus esforços no apoio a Miller e seu movimento, reduziu seus esforços ou se afastou completamente de suas outras iniciativas de reforma social, incluindo seu apoio a William Lloyd Garrison e seu movimento abolicionista (Garrison ainda se referia a ele como “um homem sincero e digno”, embora rejeitasse o movimento millerita, afirmando que Himes havia “se tornado vítima de uma teoria absurda”).
Joshua Himes e o Apócrifo de 2 Esdras
Himes foi, na prática, o primeiro adventista a institucionalizar os Apócrifos. Não porque tenha escrito um tratado formal declarando-os inspirados, mas porque foi ele quem lhes deu circulação, autoridade e função dentro da estrutura profética do movimento.
Quando decidiu publicar estudos baseados em 2 Esdras, amplificá-los em jornais nacionais, distribuí-los em camp meetings e apresentá-los como “segunda testemunha” que confirmava Daniel, Himes criou o primeiro ambiente adventista no qual um livro apócrifo foi tratado como fonte legítima de doutrina escatológica.
Ao colocá-lo lado a lado com o texto canônico em mapas proféticos, artigos e pregações, ele não apenas legitimou seu uso — ele o institucionalizou. A partir do momento em que 2 Esdras passou a ser argumento oficial do movimento millerita, reproduzido pela imprensa, citado em púlpitos e utilizado para convencer multidões a abandonar bens e preparar-se para o fim, ele deixou de ser apenas literatura intertestamentária e se tornou parte do corpo funcional de crença adventista.
Assim, antes mesmo de existir uma Igreja Adventista organizada, Himes já havia estabelecido um precedente histórico: a doutrina millerita podia — e deveria — ser sustentada por textos fora do cânon protestante. Esse ato inaugurou, de forma prática e pública, a aceitação institucional dos Apócrifos dentro do proto-adventismo, um fato que a narrativa posterior tentou apagar, mas que permanece documentado na própria imprensa que ele criou.
Qual a posição de Himes quanto à inspiração dos Apócrifos?
A resposta a essa pergunta envolve dois aspectos principais: a relação de Joshua V. Himes com a validade dos livros apócrifos (especificamente no contexto profético) e o papel central que ele desempenhou na estrutura do movimento millerita.
1. Joshua Himes e a Inspiração dos Apócrifos
A afirmação de que Joshua Himes “cria na inspiração dos apócrifos” precisa de uma nuance histórica importante. Embora ele não tenha canonizado esses livros da mesma forma que a Bíblia protestante padrão (66 livros), ele publicou e disseminou ativamente estudos que utilizavam os apócrifos (especialmente o livro de 2 Esdras) para validar a profecia de 1843/1844.
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O Uso de 2 Esdras: Durante o auge do movimento millerita, vários estudiosos do grupo (como um pregador chamado Thomas F. Barry e, mais tarde, J. N. Andrews e Joseph Bates) argumentaram que o livro apócrifo de 2 Esdras (também chamado de 4 Esdras em algumas tradições) continha profecias vitais que confirmavam os cálculos de William Miller.
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O Papel de Editor: Como editor dos principais periódicos milleritas (Signs of the Times e The Midnight Cry), Himes permitiu e promoveu a publicação desses artigos. Isso criou um ambiente onde a leitura dos apócrifos era encorajada para fins de “luz adicional” sobre o fim dos tempos.
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Após o Desapontamento: É importante notar que, após o Grande Desapontamento de 1844, Himes liderou o grupo que se tornou a “Advent Christian Church” (Conferência de Albany). Nesse período, ele tendeu a se afastar de radicalismos e visões (como as de Ellen White) e voltou a uma postura mais conservadora. Portanto, o uso dos apócrifos foi mais uma característica do período de busca intensa pré-1844, facilitada por sua postura editorial aberta, do que um dogma perpétuo de sua teologia pessoal tardia.
2. Relação com o Movimento Millerita
Joshua V. Himes não foi apenas um seguidor; ele foi o arquiteto organizacional que transformou as ideias de William Miller de uma curiosidade regional em um fenômeno global.
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O “Napoleão da Imprensa”: Enquanto William Miller era o intelectual e teólogo tímido, Himes era o publicitário enérgico. Ele conheceu Miller em 1839 e, chocado com o fato de a mensagem estar restrita a pequenas cidades, prometeu colocar “o trovão” na mensagem.
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Estratégia de Mídia: Himes fundou jornais (como o Signs of the Times), organizou as gigantescas “camp meetings” (reuniões campais), fabricou a “Grande Tenda” (a maior tenda da América na época para abrigar multidões) e produziu os famosos mapas proféticos (como o gráfico de 1843).
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Liderança Pós-1844: Após o fracasso da data, o movimento se fragmentou. Himes tentou manter o grupo unido, rejeitando as novas doutrinas do “Sábado” e do “Santuário Celestial” (que formariam a Igreja Adventista do Sétimo Dia) e organizando o corpo principal que continuou esperando o retorno de Cristo sem marcar novas datas fixas imediatas.
Resumo: Himes foi o “megafone” de Miller. Sem Himes, o millerismo provavelmente teria morrido como uma seita local. Sobre os apócrifos, ele foi fundamental ao dar plataforma para a ideia de que livros como 2 Esdras poderiam ser inspirados e úteis para decifrar o fim do mundo, embora sua “crença” fosse mais pragmática (buscar evidências para a volta de Jesus) do que dogmática (mudar o cânone bíblico oficial).
Para os milleritas, o livro apócrifo de 2 Esdras (também conhecido como 4 Esdras) não foi a base primária da data (que vinha de Daniel 8:14), mas funcionou como uma “segunda testemunha” crucial. Eles usaram duas seções específicas desse livro para criar uma “matemática de confirmação” que apontava para 1843/1844.
Aqui estão os detalhes de como esses cálculos e interpretações foram feitos:
1. A Matemática das “12 Partes do Mundo” (2 Esdras 14)
Esta foi a aplicação mais matemática e direta usada para confirmar a data.
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O Texto Chave: Em 2 Esdras 14:11-12, o anjo diz a Esdras: “Pois o mundo está dividido em doze partes, e dez partes dele já se foram, e a metade da décima parte; restam, portanto, do tempo, depois da metade da décima parte, apenas duas partes (ou uma parte e meia em algumas traduções).”
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O Cálculo Millerita:
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Eles acreditavam na tradição de que a duração da terra seria de 6.000 ou 7.000 anos.
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Se o tempo total do mundo fosse dividido em 12 partes iguais, cada “parte” representaria um período fixo de anos (por exemplo, 500 ou 583 anos, dependendo da base total usada, 6.000 ou 7.000).
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Ao calcular que “9,5” ou “10,5” partes já haviam passado desde a Criação até a época de Esdras (aprox. 457 a.C.), eles projetavam o tempo restante (“1,5 parte”) para ver onde terminaria.
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Resultado: Para muitos estudiosos do movimento, a matemática das “partes restantes” coincidia perfeitamente com o século 19, caindo especificamente na década de 1840, servindo como uma prova matemática independente de que o “fim do tempo” estava sobre eles.
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2. A Visão da Águia (2 Esdras 11 e 12)

Esta parte foi promovida vigorosamente por pregadores milleritas como T. F. Barry (um conferencista proeminente do movimento) e publicada em periódicos como o The Midnight Cry.
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A Profecia: Esdras vê uma águia com 12 asas grandes, 8 asas pequenas e 3 cabeças.
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A Interpretação (Decodificação Histórica):
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A águia era interpretada como Roma (o quarto animal de Daniel 7).
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As asas e cabeças representavam a sucessão de imperadores e governantes romanos e papais.
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Os milleritas criaram gráficos detalhados mapeando cada “asa” a um imperador histórico (Júlio César, Augusto, Tibério, etc.).
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O Ponto Final: Eles argumentavam que a história já havia passado por todas as asas e estava agora no tempo final das “três cabeças” ou logo após a destruição delas. Segundo a cronologia de Barry, a sequência de reis descrita na visão se esgotava exatamente no período em que viviam. Portanto, a destruição da águia (o fim do mundo/Roma) deveria ocorrer simultaneamente ao fim dos 2.300 dias, ou seja, em 1843/1844.
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Por que isso era vital para Himes?
Joshua Himes, como editor e publicitário, sabia que o público precisava de mais do que apenas um texto (Daniel 8:14) para ser convencido. Ao publicar esses estudos sobre 2 Esdras, ele mostrava ao público que:
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A Bíblia Canônica (Daniel) apontava para 1844.
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A Literatura Intertestamentária (2 Esdras) também apontava para 1844 através de um método completamente diferente (divisão do tempo em partes vs. dias proféticos).
Essa convergência de “testemunhas” gerou uma certeza inabalável nos crentes, levando-os a vender propriedades e esperar o fim, pois parecia impossível que dois sistemas proféticos distintos coincidissem por acaso.
Mesmo após o Grande Desapontamento, quando Himes rejeitou o nascente sabatismo e a doutrina do Santuário Celestial, ele continuou recorrendo a elementos apócrifos em debates públicos com opositores que acusavam o Millerismo de ser uma fraude profética.
Em suas respostas editoriais e encontros apologéticos, Himes frequentemente apelava à ideia — presente em 2 Esdras e amplamente discutida antes de 1844 — de que haveria um período intermediário de prova e purificação antes da manifestação plena de Cristo.
Embora não citasse explicitamente o texto apócrifo por nome, a estrutura argumentativa permaneceu a mesma: o mundo havia entrado em uma fase final profética, e os crentes eram chamados a perseverar enquanto “o juízo era preparado” e “os livros eram abertos”.
Assim, mesmo afastando-se de certos radicalismos e tentando reconstruir o movimento em bases mais moderadas, Himes continuou utilizando, de forma implícita, o modelo escatológico que havia sido moldado pela influência de 2 Esdras, preservando em sua retórica a lógica temporal e judicial que só existia plenamente nos Apócrifos.
Ou seja, embora negasse revelações modernas e novas doutrinas, ele manteve viva a arquitetura profética apócrifa que ajudara a criar, demonstrando que sua relação com esses textos não foi circunstancial, mas estrutural.
Conclusão
Após o Grande Desapontamento , Himes desempenhou um papel fundamental na tentativa de reorganizar os adventistas desiludidos em torno da fé adventista original na Conferência de Albany, realizada em abril de 1845. Quando essa tentativa fracassou, ele se tornou um líder da Igreja Adventista Evangélica e de sua Associação Milenar Americana (1858).
Em 1863, Himes aceitou a doutrina da imortalidade condicional, juntou-se à Igreja Adventista Cristã e mudou-se com sua família para Buchanan, Michigan, assumindo um papel de liderança proeminente entre os adventistas cristãos e lançando um jornal, The Voice of the West (mais tarde Advent Christian Times). Em 1865, ele foi o presidente fundador da Sociedade Missionária Adventista Americana e planejava fundar uma faculdade em Illinois .
O ponto crucial é que Joshua V. Himes, mesmo não declarando formalmente que os Apócrifos eram inspirados no sentido canônico, foi o maior responsável por legitimar publicamente o uso de 2 Esdras como autoridade profética dentro do movimento millerita. Ele não apenas permitiu artigos sobre 2 Esdras — ele os imprimiu, distribuiu, promoveu e os fez circular em escala nacional e internacional por meio da sua rede de imprensa.
Como editor do Signs of the Times, The Midnight Cry e outros periódicos, Himes transformou 2 Esdras de um texto pouco conhecido da literatura intertestamentária em uma “segunda testemunha” profética para milhões de leitores. Sem o seu aparato editorial, a tese de que 2 Esdras confirmava 1843/1844 jamais teria alcançado o povo comum.
Mais do que isso: ao publicar sermões e gráficos fundamentados na matemática das 12 partes do mundo e na visão da águia, Himes funcionalmente tratou 2 Esdras como Escritura útil para doutrina, pois o colocou lado a lado com Daniel como prova independente de que o retorno de Cristo era iminente.
Na prática millerita, “doutrina” era aquilo que era pregado, publicado e usado para convencer — e Himes foi quem decidiu o que merecia esse status. Portanto, ainda que pessoalmente pragmático, sua atuação editorial elevou 2 Esdras ao mesmo patamar de autoridade que os livros canônicos, criando o ambiente teológico em que os Apócrifos foram recebidos como revelação profética.
Isso explica por que jornais da época registraram que pregadores milleritas afirmavam que os livros de Esdras apócrifos eram “tão bons quanto qualquer outro livro da Bíblia”.
Quem tornou essa ideia pública, plausível e difundida? Himes. Ele abriu as portas para que Thomas F. Barry, Joseph Bates e, mais tarde, J. N. Andrews utilizassem 2 Esdras como confirmação divina da cronologia profética. Sua estratégia editorial foi decisiva: ao apresentar dois sistemas proféticos distintos — Daniel e Esdras — apontando para o mesmo período, ele criou um argumento de convergência que dava à mensagem millerita um peso “irrefutável” aos olhos dos crentes.
E aqui está o ponto que harmoniza tudo com nossas conclusões mais profundas:
Sem Himes, o uso dos Apócrifos teria permanecido marginal. Com ele, 2 Esdras tornou-se pedra angular emocional e intelectual da certeza millerita, oferecendo aquilo que Daniel sozinho não fornecia: um modelo explícito de juízo pré-advento e uma matemática temporal independente. Ou seja, o movimento millerita só conseguiu sustentar sua convicção escatológica absoluta porque Himes colocou os Apócrifos no centro da discussão profética.
Ironicamente, mais tarde, quando a Igreja Adventista organizada buscou respeitabilidade protestante, esse aspecto foi apagado da memória denominacional. A narrativa oficial substituiu o Himes editor de Apócrifos por um Himes fictício, supostamente defensor exclusivo do cânon de 66 livros — algo que nunca existiu nos documentos originais. A própria IASD construiu retroativamente um Millerismo “puro protestante”, ignorando que seu crescimento explosivo ocorreu justamente porque Himes deu plataforma a um texto que hoje a igreja rejeita como perigoso ou satânico.
Portanto, a conclusão inevitável é:
Joshua V. Himes não apenas difundiu o Millerismo — ele foi o agente que legitimou e popularizou o uso profético dos Apócrifos, especialmente 2 Esdras, tornando-os fundamentais para a formação da certeza millerita que culminou em 1844. Sem sua atuação editorial, o juízo investigativo e a doutrina do tempo do fim no adventismo não teriam encontrado a “segunda testemunha” que lhes dava força.
Himes faleceu de câncer em 27 de julho de 1895 em Elk Point . Ele foi sepultado no Cemitério Mount Pleasant em Sioux Falls, Dakota do Sul.