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O Novo Testamento, ao contrário do que afirmam defensores da interpretação setita ou meramente simbólica, confirma de forma explícita e implícita a leitura sobrenatural de Gênesis 6:1-4. Os escritores inspirados fazem referência direta e indireta ao episódio dos anjos que abandonaram sua habitação, mantendo viva a tradição enraizada no judaísmo do Segundo Templo e na literatura enóquica. Ao analisar cuidadosamente essas passagens, percebemos que o entendimento apostólico sobre os “filhos de Deus” é claro, consistente e literal.
1. Judas 6-7: Anjos que não guardaram seu estado original
A carta de Judas apresenta uma das afirmações mais contundentes: “E a anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou-os na escuridão, em prisões eternas, até o juízo do grande dia” (Jd 6). A expressão “deixaram a sua própria habitação” (oikētērion) implica um abandono voluntário de uma esfera celestial para uma ação indevida no mundo físico.
O verso seguinte (Jd 7) compara o pecado desses anjos ao de Sodoma e Gomorra, caracterizando-o como imoralidade sexual e “seguirem após outra carne”. Esse paralelo não deixa dúvidas de que Judas compreendia Gênesis 6 como um episódio de transgressão sexual entre seres angelicais e humanas, e não apenas como uma metáfora de casamentos intertribais.
Além disso, Judas cita diretamente 1 Enoque 1:9 (Jd 14-15), validando que sua cosmovisão estava alinhada com a tradição literal presente nesse livro.
2. 2 Pedro 2:4-5: Prisão dos anjos caídos
O apóstolo Pedro confirma a narrativa ao dizer: “Pois Deus não poupou anjos quando pecaram, mas, lançando-os no inferno, os entregou a abismos de escuridão, reservando-os para juízo; e não poupou o mundo antigo, mas preservou Noé…” (2 Pe 2:4-5). Aqui, o pecado dos anjos é colocado imediatamente antes do juízo do dilúvio, exatamente na ordem de Gênesis 6.
A palavra traduzida como “inferno” é tartaroō, única ocorrência no Novo Testamento, termo grego usado para designar um local subterrâneo de prisão para entidades divinas rebeldes — conceito que coincide com o aprisionamento dos vigilantes no abismo descrito em 1 Enoque 10.
3. 1 Pedro 3:19-20: A pregação aos espíritos em prisão
Em 1 Pedro 3:19-20, lemos que Cristo, no Espírito, “foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram desobedientes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé”. A identificação desses “espíritos” (pneumata) como anjos caídos é sustentada pela terminologia: o Novo Testamento, quando usa pneumata de forma absoluta, geralmente se refere a seres espirituais, não a humanos.
Essa conexão entre “espíritos em prisão” e “dias de Noé” reforça que Pedro tinha em mente o mesmo evento de Gênesis 6 e a tradição de 1 Enoque, onde os anjos caídos são confinados até o juízo.
4. Hebreus 11:5 e o contexto enóquico
A menção de Enoque em Hebreus 11:5 (“foi trasladado para não ver a morte… pois antes de ser trasladado, obteve testemunho de haver agradado a Deus”) não faz referência direta a Gênesis 6, mas lembra o papel que Enoque desempenha na literatura judaica como pregador da justiça contra os anjos caídos e os ímpios. Para leitores familiarizados com 1 Enoque, essa lembrança evocaria o contexto de juízo pré-diluviano.
5. Apocalipse 9 e 12: A guerra e a soltura de anjos aprisionados
Em Apocalipse 9, vemos seres libertos do abismo (abyssos), ecoando a prisão dos vigilantes. Em Apocalipse 12, a guerra no céu e a queda de anjos liderados por Satanás apontam para um padrão contínuo de rebeliões angelicais. Embora não se trate especificamente do episódio antediluviano, esses textos mostram que João mantinha uma visão concreta do mundo espiritual, na qual anjos podem interagir com o plano físico de forma destrutiva.
6. A coesão apostólica
O mais relevante é que Judas e Pedro, em contextos distintos, usam imagens, linguagem e ordem narrativa idênticas: anjos caem → são aprisionados → juízo do dilúvio. Isso não é coincidência; indica que ambos trabalhavam a partir de uma mesma tradição interpretativa literal, herdada do judaísmo e confirmada por Cristo e Seus apóstolos.
7. Conclusão
O Novo Testamento não apenas conhece, mas confirma explicitamente a leitura sobrenatural de Gênesis 6. Os apóstolos não trataram o relato como mito ou alegoria, mas como fato histórico e teológico central para compreender a corrupção do mundo antediluviano e a gravidade da rebelião espiritual. Rejeitar essa interpretação é, em última análise, distanciar-se do entendimento apostólico.
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Referências:
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Judas 6-7, 14-15
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2 Pedro 2:4-5
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1 Pedro 3:19-20
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Hebreus 11:5
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Apocalipse 9:1-11; 12:7-9
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1 Enoque 1:9; 6-10; 15-16