Quem é Débora dos Santos?
Débora dos Santos é mãe de duas crianças, de 6 e 9 anos, e casada com o pintor Nilton Cesar. Religiosa, ela frequentava a Igreja Adventista do 7º Dia antes de ser presa em março do ano passado.
A prisão ocorreu após uma fotógrafa do jornal Folha de S.Paulo flagrá-la pintando a estátua da Justiça. Débora foi detida durante uma fase da Operação Lesa Pátria e desde então está atrás das grades.
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Denúncia contra Debora é “completamente genérica”, afirma defesa
“E o que há de violência ou grave ameaça no caso da Debora?”, questiona o advogado Ranieri Gonçalves Martini, ao ressaltar que a denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP) após 14 meses de prisão preventiva aponta somente o fato de a mulher ter escrito, com batom, a frase “Perdeu Mané” na estátua em frente ao STF. “Não há mais nada contra ela”, reitera.
Apesar de a pichação ter sido a única infração cometida por ela e de a frase ter sido removida com sabão neutro, como noticiou a Folha de S. Paulo, a mulher foi acusada pelos crimes de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado, e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.
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Deterioração a estátuas costuma ser penalizada com serviços comunitários
“Essa acusação é completamente genérica porque a única ação individual dela foi sujar a estátua, o que poderia ser penalizado, no máximo, com prestação de serviços comunitários”, informa o advogado, lembrando da condenação do homem que colocou fogo na estátua de Borba Gato, na cidade de São Paulo, em julho de 2021.
Um ano depois de espalhar pneus ao redor do monumento e incendiar a estátua, esse indivíduo foi condenado a três anos, um mês e 15 dias de reclusão em regime aberto, e teve sua pena substituída por prestação de serviços comunitários. Na sentença, o juiz destacou que o acusado colocou em risco a vida de pessoas que passavam pela região.
No caso de Debora, no entanto, o jurista Rodrigo Chemim explica que a punição seria ainda menor, já que “atos de pichação podem ser pagos com cestas básicas”. Porém, ele afirma que “estão jogando um caminhão de crimes em cima da mulher sem seguir técnicas jurídicas que qualquer aluno de 3º ano de Direito aprende”.
De acordo com o professor de Processo Penal, “em tese, o que Debora cometeu foi o crime do Artigo 65 da Lei 9.605, que é ‘pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar (sujar) edificação ou monumento’, que é um crime de menor potencial ofensivo”.
“Acho muito difícil dizer que exista associação criminosa, por exemplo, já que isso pressupõe pessoas alinhadas com o propósito de praticar crimes, e ali parece uma conduta dela [individualmente]”, aponta, explicando ainda que qualquer pessoa que tentasse dar um golpe em um Estado Democrático de Direito estaria, ao mesmo tempo, tentando abolir esse Estado Democrático de Direito.
Então, “seriam crimes simultâneos, contados como um único crime, e não dois, devido ao princípio da subsidiariedade em que o crime mais grave absolve o menos grave”, esclarece o jurista.
Mais de 420 dias sem denúncia
Outro ponto avaliado tecnicamente pelo doutor em Direito é o prazo excedido para apresentação da denúncia, já que “a Lei 5.010/66, artigo 66, prevê que a Polícia Federal (PF) tem 15 dias, prorrogáveis por mais 15 para encerrar o inquérito mantendo legalmente o indiciado preso, e o MP tem cinco dias para oferecer a denúncia”, aponta, informando que o caso de Débora “foge de qualquer mínima legalidade” por ter sido 12 vezes maior que o estipulado.
“Se um juiz de primeiro grau decidir manter alguém preso na investigação por tantos meses sem denúncia, talvez tenha que responder por essa decisão”, aponta, lembrando ainda que, “para se decretar prisão preventiva, a jurisprudência do Supremo diz que é preciso ter dados concretos que permitam dizer que o sujeito em liberdade repetirá seu comportamento delitivo”, menciona.
“Não pode ser um achismo, algo subjetivo e vazio de fundamentação”, pois “bastaria um Habeas Corpus (HC) de duas linhas no Tribunal de Justiça local para derrubar uma decisão assim de um juiz de primeiro grau”, continua o professor.
Entretanto, casos como o de Debora, relacionados ao 8 de janeiro, têm sido julgados diretamente pelo STF, que é a última instância do judiciário e não admite HC contra decisões monocráticas dos seus ministros, impossibilitando discutir a decisão. “E o Habeas Corpus é a principal ação garantidora de direitos”, afirma Chemim, pontuando que essa “conquista da civilização ocidental não deveria ser mitigada”.
Para a defesa, a situação é “absurda”, pois nega ao indivíduo a capacidade de se defender. “Advogados de todo o Brasil estão sendo obrigados a retirar cada mudança do processo fisicamente, o que encarece e dificulta a defesa”, lamenta Martini, citando ainda que, em muitos casos, o acesso é restrito a apenas “algumas partes do processo”.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a OAB-SP, com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). A OAB-SP retornou, informando desconhecer o caso de Débora. A secretaria fez a mesma afirmação e explicou que não realiza “análise do processo judicial nem do regime de cumprimento de pena” determinados pelo juiz.
A reportagem também procurou a ONG Innocence Project Brasil, associação sem fins lucrativos que se intitula como “organização brasileira especificamente voltada a enfrentar a grave questão das condenações de inocentes no país”. A entidade não respondeu a equipe até a publicação dessa reportagem, mas o espaço segue aberto para manifestação.
Quem é Debora e como está sua família?
Moradora de Paulínia, no interior de São Paulo, a cabeleireira Debora Rodrigues dos Santos frequenta a Igreja Adventista do 7º Dia, é casada com o pintor Nilton Cesar, e mãe de dois meninos. “É uma mulher cristã, justa, honesta e que sempre defendeu a família”, relata sua irmã, a técnica em enfermagem Cláudia Silva Rodrigues.
Segundo ela, Debora chegou à Praça dos Três Poderes, em Brasília, após as depredações no dia 8/1 e ajudou diversas pessoas agoniadas com o gás na parte de fora dos prédios. “Ela lavou os olhos de muitos idosos que caíam no chão por não enxergarem nada”, relata, informando que a irmã deixou o local após a chegada dos helicópteros e voltou para casa, onde foi surpreendida dois meses depois.
“Policiais federais fortemente armados foram à casa dela por volta das 6h do dia 17 de março”, conta. “Eles entraram no quarto, deram ordem para ela se vestir e acordaram as crianças, colocando todos na sala”, conta Claudia, citando que os filhos choraram muito, com medo, enquanto os policiais “reviravam a residência”.
A cabeleireira foi, então, conduzida para o camburão e “só foi ver seus filhos dois ou três meses depois”, lamenta a irmã, lembrando do desespero das crianças pedindo pela mãe. “Meu cunhado teve que abandonar o serviço várias vezes, às pressas, para atendê-los”.
Depois que as visitas ao presídio começaram, os meninos sentavam no colo da Debora a cada 15 dias, “e as despedidas passaram a ser terríveis, com horas de choro em frente do presídio”, recorda Cláudia. “E o pior momento que enfrentamos até hoje foi no Natal, quando os dois foram para um canto, e o pequeno falou que não tinha mais motivo para comemorar. Todos nós sentamos e choramos ao lado dele”.