A Coroa Sulista: Como a eleição de Erton C. Köhler confirma a hegemonia gaúcha na Igreja Adventista

A eleição do pastor Erton Carlos Köhler à presidência mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em julho de 2025, foi celebrada como um marco histórico para o Brasil e para a América do Sul. No entanto, por trás da comemoração institucional e da linguagem missionária oficial, esse evento também confirma uma realidade profunda e estrutural denunciada em O Leviatã Adventista: a consolidação da hegemonia administrativa gaúcha dentro da estrutura global da Igreja.


O pastor da Serra Gaúcha que chegou ao topo do mundo

Erton Köhler nasceu em Caxias do Sul (RS) — uma das cidades mais influentes do adventismo no sul do país — e construiu sua carreira por meio dos canais tradicionais da liderança adventista sul-americana: pastor distrital, diretor de Ministério Jovem, presidente da Divisão Sul-Americana, secretário executivo da Associação Geral e, por fim, presidente mundial.

Sua ascensão, no entanto, não é um acaso meritocrático: é o ápice de um sistema que favorece há décadas a formação e o favorecimento de líderes oriundos do Sul do Brasil, especialmente do Rio Grande do Sul. O Leviatã Adventista, livro que realiza uma crítica sociológica da forma de governo da IASD, já identificava esse fenômeno como uma característica sistêmica da organização adventista na América do Sul.


A “Escola Gaúcha” de administração eclesiástica

O autor do Leviatã menciona que os líderes gaúchos, formados nos internatos adventistas do Sul (como o IACS), desenvolveram uma espécie de “escola de gestão eclesiástica”, marcada por:

  • Burocracia técnica altamente centralizada

  • Controle rígido da imagem institucional

  • Fidelidade absoluta ao modelo hierárquico

  • Administração planejada com foco em expansão numérica

Esse perfil pode ser observado em várias administrações da Divisão Sul-Americana desde os anos 1990, mas foi intensificado sob a liderança de Köhler, que impulsionou iniciativas como o Impacto Esperança e o Quebrando o Silêncio — programas de visibilidade social amplamente organizados, promovendo o senso de coesão institucional e obediência de base.


⚖️ Centralização e obediência como virtudes eclesiásticas

A teologia do dever institucional, tão presente nos discursos administrativos da igreja, é traduzida no modelo piramidal de comando que se espelha nos setores regionais da denominação. O livro critica a estrutura que transforma a igreja num sistema administrativo autorreferente, voltado mais à autopreservação que à profecia.

A eleição de um presidente que foi secretário executivo da AG, presidente da DSA e líder ministerial desde o início da juventude, sem histórico de tensões doutrinárias ou dissidência ideológica, mostra como o sistema recompensa a conformidade e o tecnocratismo, e não necessariamente o carisma profético, a coragem reformadora ou a simplicidade apostólica.

O Sul exporta liderança, não diversidade

Embora a eleição de Köhler seja apresentada como símbolo de diversidade geográfica, ela na verdade revela a concentração regional de poder e a repetição de perfis administrativos formatados dentro de um mesmo ethos cultural — o ethos gaúcho-adventista. O mesmo Sul que formou diretores de União, presidentes de Divisão e líderes educacionais agora exporta, pela primeira vez, um presidente mundial — completando o ciclo.

Essa liderança formada na lógica organizacional do sul do Brasil representa:

  • Força técnica sobre sensibilidade pastoral

  • Planejamento institucional acima do discipulado espontâneo

  • Fidelidade a diretrizes corporativas em vez de abertura a reformas teológicas


O Leviatã se move

A metáfora do “Leviatã” — criatura mítica usada por Hobbes para representar o Estado absoluto — é apropriada para descrever a máquina institucional da IASD, que na análise do livro funciona como um corpo rígido, blindado contra dissidências, e voltado à manutenção de sua própria estrutura.

A eleição de Erton Köhler é, nesse sentido, a confirmação de que o Leviatã está saudável, firme e perfeitamente funcional. A máquina eclesiástica soube preparar e posicionar seu próprio sucessor — um nome confiável, de dentro do sistema, tecnicamente competente, com raízes históricas na base do poder nacional.


️ O que essa eleição nos revela?

  1. Que o modelo organizacional adventista recompensa a fidelidade institucional mais que a inovação profética.

  2. Que o Sul do Brasil transformou-se numa escola global de liderança, não por acaso, mas por um sistema sustentado ao longo de décadas.

  3. Que o futuro da Igreja Adventista depende de como ela lidará com o risco da padronização administrativa, da idolatria institucional e da erosão do carisma profético.


✝️ Conclusão: entre a missão e o poder

Enquanto membros celebram a eleição de um líder “do nosso povo”, é necessário perguntar: qual povo exatamente? E que tipo de liderança espiritual esperamos de um presidente global: um administrador eficiente ou um servo profético?

A eleição de Erton C. Köhler é legítima e representa uma era — mas também expõe os bastidores de um sistema que privilegia a continuidade do Leviatã, em vez da convocação ao arrependimento institucional e à renovação espiritual.

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