Economista Diz que Demônio Encontrou Abrigo na Casa Branca

"Pax Americana"

LUIZ GONZAGA BELLUZZO 

Desde que assumiu, George W. Bush vem falando grosso, além de exibir o grande porrete da liberdade. Quem vaticinava e torcia por uma nova ordem internacional vai ter de esperar mais algum tempo. Talvez alguns séculos. O que estamos observando é a velha prática da força bruta nos negócios internacionais. Os Estados Unidos costumam exibir reverência à lei dentro de casa. Mal pisam na rua e comportam-se como chefes de quadrilha, dispostos a não poupar munição contra os que se opõem a seus interesses.

Os europeus não escondem a indignação com as declarações de Bush sobre o Protocolo de Kyoto. Mas, para o presidente dos EUA, se as medidas de proteção ao clima ferem os interesses das suas empresas, dane-se o clima. Um avião-espia americano lançou ao mar e matou o piloto chinês. O governo da China exige apenas desculpas para devolver os bravos rapazes que bisbilhotavam em terra estrangeira. O ícone da prepotência limita-se a lamentar o ocorrido.

Os Estados Unidos pretendem impor sanções aos países que não conseguem coibir adequadamente o tráfico de drogas. Enquanto isso, não abandonam a posição de primeiro nariz do planeta, tal é o volume e o valor das drogas de todos os tipos consumidas pelos cidadãos americanos. A propósito do Plano Colômbia, o jornalista William Pfaff, do "International Herald Tribune", afirmou que "o dinheiro desregrado não apenas dirige o resultado das eleições americanas como influencia as decisões do Congresso e as atitudes da Casa Branca em matérias tão improváveis como a luta contra o tráfico de drogas na América Latina".

O ex-presidente Ronald Reagan ficou conhecido, entre outras coisas, por ter declarado que a finada União Soviética era o império do mal. O desaparecimento do demônio parece não ter diminuído os poderes do inferno. É cada vez mais forte a impressão de que Mefistófeles encontrou abrigo na Casa Branca. As agressões aos direitos alheios são executadas à luz do dia. Nem mesmo há a preocupação de invocar apenas algum princípio de direito internacional para justificar as tropelias. Os realistas dizem que isso é assim mesmo, nas relações internacionais não há outra regra senão a lei do mais forte.

Tio Sam, no fundo da alma, acha que os processos e as instituições democráticas, fora dos Estados Unidos, são um estorvo para a consecução das políticas "corretas" (isto é, aquelas que estão conforme seus interesses e de suas empresas) nos países situados abaixo do rio Grande. Por isso é preciso coartar e controlar as instâncias de discussão pública. A liberdade de opinião não é boa coisa, sobretudo quando começam a naufragar os programas econômicos e sociais recomendados pelos senhores do mundo como roteiros infalíveis para o sucesso.

Na era Clinton, houve, reconheçamos, uma "evolução" nos métodos de dominação. Foi suficiente cooptar novos e reluzentes sátrapas, juntá-los aos antigos serviçais e montar amplas coalizões políticas, sempre prontas a cumprir os desígnios da metrópole, tudo isso sob os aplausos de uma mídia "ativa" nos misteres da lavagem cerebral e da promoção do empobrecimento cultural das massas. O projeto dos Estados Unidos para a América Latina parece se restringir à captura do mercado constituído pelos 30% da população de renda mais alta. Esse é o jogo da Alca. O resto é conversa fiada. Quanto aos 70% sobrantes, deverão continuar confinados nos seus guetos, de boca calada.

Melhor o comércio do que o pau-de-arara, dirão os otimistas. Nos tempos da Guerra Fria, quando, no quintal do império, "os de baixo" começavam a reclamar, a CIA e os plutocratas nativos fomentavam golpes militares. Revelações recentes dão conta do que todo o mundo já sabia: os agentes de inteligência dos Estados Unidos cuidavam de instruir as forças locais nas artes da tortura e do extermínio dos adversários políticos.

Os procedimentos tornaram-se mais suaves e sutis, nem por isso menos eficazes. O economista e historiador James Petras vem tratando com uma certa frequência o uso das políticas de direitos humanos como instrumento de controle político americano do mundo e particularmente da América Latina. Ironia da história: os que lutaram contra a repressão patrocinada pelo "aparelho americano de brutalização" estão sendo desapropriados, pelos algozes de ontem e de sempre, de um tema que lhes pertence.

A usurpação é feita sem a menor cerimônia com a grana do Departamento de Estado. É mais elegante e "limpo" sustentar a dominação no consentimento dos que se pretende submeter. O truque é transformar em antidemocráticas e "populistas" todas as propostas que visem transformar o status quo. Mas os últimos acontecimentos mostram que, se a situação engrossar, não haverá escrúpulo em ressuscitar os métodos antigos.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 58, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Fonte: http://www.uol.com.br/fsp/dinheiro/ 

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