Ninguém pode questionar a genuinidade da experiência
espiritual daqueles que passaram pelo movimento de 1844. Jesus
era "precioso" aos crentes que esperavam a Sua breve
vinda, e seus corações estavam unidos em sincera e profunda
devoção. Reconheciam o Espírito Santo como inegavelmente
presente naquele movimento.
Foi essa convicção que transcendia a mero apego a
correção teológica, que sustentou a confiança do
"pequeno rebanho" em meio ao Grande Desapontamento.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia foi concebida numa
experiência de genuíno amor e nasceu como trabalho de parto
da alma daqueles poucos que arriscaram tudo em seu
reconhecimento de uma obra genuína do Espírito Santo. Assim,
ela foi bem nascida, concebida na verdadeira fé e não no
legalismo.
Em seus primeiros anos ela amou o Senhor com um coração
sincero, e apreciava a presença do Espírito Santo. Suas
dificuldades posteriores derivam de um trágico abandono desse
"primeiro amor", e uma falha conseqüente em
reconhecer o verdadeiro Espírito Santo.
Já em 1850, esse calor de dedicação por Jesus começou a
ser gradualmente substituído nos corações de muitos por uma
condição "insensata e dormente" e
"meio-desperta", segundo a jovem mensageira do
Senhor. Um insidioso amor do eu começou a tomar o lugar do
verdadeiro amor pelo Salvador, produzindo a mornidão. Orgulho
e complacência em possuir um sistema de verdade gradualmente
sufocaram muito da fé simples em Jesus, de coração, que
levou a sua aceitação originalmente.
Desse modo, logo após o Grande Desapontamento de 1844 e a
reunião do "pequeno rebanho" que manteve sua fé,
desenvolveu-se uma deficiência em seu entendimento da
importância das três mensagens angélicas. A deficiência
não era teológica, mas espiritual. A igreja assemelhava-se a
um adolescente que cresce fisicamente, mas, por outro lado,
permanece uma criança.
A "verdade" logrou progresso fenomenal e era tida
por invencível em debate, mas "os servos do Senhor
confiaram demasiadamente na força do argumento",
declarou Ellen White em 1855 (1T 113). Isso tornou difícil
que resistissem à tentação inconsciente e sutil de acolher
um orgulho espiritual--não encontraram e aceitaram a verdade,
e por ela se sacrificaram? Parecia haver mérito em tal
sacrifício. Ministros e evangelistas ergueriam suas tendas
numa nova comunidade, agitando outros ministros e igrejas
populares, vencendo os argumentos e debates, arrebanhando seus
"melhores" membros, batizando-os e erguendo uma nova
igreja, partindo daí para novas vitórias quase em toda
parte. Desfrutavam uma euforia de sucesso.
A oposição levou-os a acariciar a esperança de
vindicação pessoal e coletiva quando do segundo advento mais
do que a antecipação amorável de encontrar o Amado,
incluísse esse encontro vindicação ou não. A fé deles
tornou-se-lhes mais um ato de crença na verdade
doutrinária e obediência a ela, motivada pelo preocupação
auto-orientada por renovação, antes que uma apreciação
genuína da graça de Cristo. Em lugar de caminhar
humildemente em total dependência do Senhor,
"nós" começamos a caminhar orgulhosamente com
nossa indisputável evidência doutrinária da
"verdade".
O resultado foi inevitavelmente uma forma de legalismo. A
mesma experiência tem-se repetido freqüentemente nas vidas
individuais dos novos conversos adventistas. Devidamente
entendida, a história do movimento adventista é a história
de nossos próprios corações individuais. Cada um de nós é
um microcosmo do todo, como cada gota dágua incorpora a
essência da chuva. Em tudo quanto dizemos a respeito da
experiência dos anos passados, lembramo-nos que não somos
melhores do que nossos antepassados. Como Paulo informou aos
crentes de Roma, "nós" fazemos as mesmas coisas
(Romanos 2:1). Somente através de uma percepção que
reconhece a culpa coletiva podem as falhas de nossa
história denominacional ser resolvidas com valor positivo e
encorajador.
Como Nossa Mornidão Começou
Ellen White cedo reconheceu que nosso problema era deixar o
nosso "primeiro amor", um perda de intimidade com
Cristo por não apreciarmos o Seu amor sacrificial. Ela
própria aparentemente nunca perdeu esse primeiro amor, pois
estava sempre pronta e disposta a reconhecer as
manifestações do verdadeiro Espírito Santo. Mas
"nós" não estivemos tão prontamente perceptivos.
Poderíamos cantar alegremente com W. H. Hyde:
"Ouvimos da brilhante e santa pátria, ouvimos e nossos
corações se alegram", contudo houve uma constante
tensão entre reconhecer e apreciar o dom de profecia vivo, e
nosso ressentimento humano natural contra sua reprovação ou
correção. Conquanto o poder do Espírito de Deus que
caracterizava o ministério de Ellen White muitas vezes
forçava a liderança da igreja a reconhecer a divina
autoridade de sua mensagem, eles raramente como um todo tinham
uma verdadeira e sincera apreciação de seu profundo desafio
espiritual. Tal ressentimento íntimo não nos surpreende como
humanos. Era evidente por toda a antiga história israelita.
Esse quase contínuo desprezo pelos apelos de Ellen White
para nos volvermos a um contrito "primeiro amor"
resultou nos mais escuros momentos de nossa história. Um
crescente mas inconsciente amor próprio de ministros e
crentes sufocou a fé genuína, e, como conseqüência, a
habilidade de discernir a operação do Espírito Santo se
extinguiu. Um episódio tão horrível, nunca imaginado pelos
pioneiros (e quase assim para nós hoje) finalmente veio a
se passar. Chegaria o tempo em 1888 em que aquela poderosa
Terceira Pessoa da Divindade seria de fato
"insultada" pelos delegados responsáveis junto à
Sessão da Associação Geral (cf. Ms 24, 1892, Special
Testimonies, Serie A, nº 7, p. 54; ver capítulo seis).
Como poderiam os adventistas do sétimo dia fazer isso?
Não fosse pelo contínuo ministério de Ellen White, é de
duvidar que o movimento pudesse ter sobrevivido de modo
diferente de uma seita legalista, à semelhança das
"testemunhas de Jeová" ou da Igreja de Deus
Mundial. Isso por si só -- geralmente reconhecido como
verdade -- é um comentário impressionantemente claro da
natureza de nossa arraigada descrença. Estávamos repetindo
em poucas décadas da história o que o antigo Israel levou
séculos para cumprir. Nenhum adventista do sétimo dia
negaria que a igreja era "Jerusalém". Mas ela era
ainda a velha cidade, não a Nova.
Falhamos em perceber as três mensagens angélicas como o
"evangelho eterno". As doutrinas eram verdadeiras.
Mas os ministros e membros estavam cegados quanto a um
apropriado discernimento da terceira mensagem angélica em
verdade, como a cegueira dos judeus os impediu de
discernir a verdadeira mensagem do Velho Testamento. Aquela
verdade que os judeus não podiam discernir era o lugar da
cruz em seus rituais do santuário e no ministério de seu
longamente esperado Messias. Semelhantemente, o lugar da cruz
na terceira mensagem angélica deixou de ser percebido pelos
nossos irmãos do final do século dezenove.
Já em 1867, Ellen White falava do princípio da cruz (em
lugar de reforma do vestuário) como o motivo fundamental a
inspirar todo o nosso compromisso e estilo de vida adventista
do sétimo dia:
"Temos estado tão ligados ao mundo que perdemos de
vista a cruz, e não sofremos pela causa de Cristo. . .
"Na aceitação da cruz somos distinguidos do mundo."
(1T 525)
"Há demasiada agitação e movimentação quanto a
nossa religião, enquanto o Calvário e a cruz são
esquecidos." (5T 133)
Crescimento Vs. Progresso
O que tornou a nossa condição espiritual ainda mais
difícil de entender foi o fato de que a igreja desfrutava
um próspero crescimento do ponto de vista numérico,
financeiro e em termos de prestígio. Isso se refletiu num
firme aumento da força institucional, financeira e
organizacional. O movimento que nascera de menos do que nada
em face da zombaria mundana pós-1844, havia assumido a forma
de uma denominação permanentemente estabelecida e bem
respeitada. Tínhamos o que se reconhecia amplamente como a
melhor instituição de saúde do mundo, e uma das mais
avançadas editoras eclesiásticas no "ocidente".
Logicamente, nada havia de errado com tal progresso
material. A maior parte dos avanços conquistados ocorriam sob
insistência do agente do dom de profecia. Era certo e
apropriado que instituições fossem estabelecidas, que a
obra penetrasse novas regiões e igrejas fossem levantadas por
toda parte. Mas ministros e leigos igualmente tomaram esse
crescimento em lugar do verdadeiro fim e propósito do
movimento adventista -- uma preparação espiritual para o
retorno de Cristo. Disso resultou confusão, e a auto-estima e
complacência começaram a vir à tona nos relatórios
semanais do "progresso da causa" como publicado na Review.
O espírito evidente nesses relatórios de
"progresso" contrasta-se com as fervorosas mensagens
de conselho que Ellen White enviava ao mesmo tempo. Muitos
dos irmãos expressavam quase incessante otimismo a respeito
dos resultados de seu trabalho. É verdade que Deus estava
dirigindo, e o movimento Lhe pertencia. Mas a inspiração e a
história dão conta de que o aspecto mais impressionante da
"obra" não era o seu progresso material, mas sua
falta de maturidade espiritual.
O propósito primário do movimento adventista tem sempre
sido desenvolver o caráter semelhante ao de Cristo de um
remanescente que reivindica o Seu sacrifício. Nenhuma outra
comunidade de santos em toda a história acolheu tal
maturidade de experiência, simbolizada na Escritura como a
Noiva que "se ataviou" (Apocalipse 19:7). Este
último remanescente se tornará a população de uma
"Nova Jerusalém", tendo vencido a apostasia de
todas as gerações prévias. Em seu caráter serão vistos os
resultados práticos da purificação do santuário celestial.
O plano da salvação deve alcançar sua culminação, e as
dúvidas e objeções de Satanás e suas hostes devem ser para
sempre respondidas. O próprio universo não-caído deve
reassegurar-se ao contemplar uma grandiosa demonstração do
completo êxito do plano de salvação em sua hora final. O
evangelho deve demonstrar-se "o poder de Deus para a
salvação" (Romanos 1:16).
Relacionado com o alcance desse objetivo primário está o
reconhecimento de outro secundário: a terminação do
programa evangélico de missão mundial. O alcançar da
meta secundária é representado na Escritura como
virtualmente assegurado, uma vez a primária seja realizada
(Marcos 4:26-29; Apocalipse 14:15; João 13:35).
Não tivéssemos "nós" sido cegados pelo amor
próprio, uma verdadeira compreensão da verdade das três
mensagens angélicas teria há muito tempo garantido o
genuíno progresso no rumo de alcançar essa meta primária de
semelhança de caráter com Cristo. Em lugar disso, tem havido
um imaginado progresso no cumprimento da meta secundária.
Mas um sério problema se torna imediatamente evidente.
Outras denominações estão logrando o mesmo tipo de
"progresso" institucional e numérico, em até maior
escala, o que sugere que tal crescimento significa pouco no
que tange às reais bênçãos celestiais sobre nossa obra. No
processo temos perdido de vista em grande medida a meta
primária nesse ilusório cumprimento da meta secundária.
Relatórios oficiais atingem errôneas conclusões com base
em progresso estatístico e financeiro. Segue-se um exemplo, a
ponta de um iceberg de orgulho e complacência:
"O êxito financeiro deste vasto empreendimento
denominacional não pode ser maior do que a fé e zelo que
animam o povo escolhido de Deus. Esses recursos combinados,
sob o comando do Capitão das hostes do Senhor, conduzirão ao
triunfo precoce do grande Movimento do Segundo Advento em todo
o mundo." (Thirty-seventh Financial Report,
General Conference [Trigésimo Sétimo Relatório Financeiro
da Associação Geral], 31 de dezembro de 1948, p. 9).
Em outras palavras, a fé espiritual e zelo do povo
escolhido de Deus são medidos por seus registros
estatísticos! Pode-se alegar que este é um exemplo extremo
e ultrapassado. Mas ilustra a mentalidade predominante da
época, que se pode reconhecer quase que por toda parte hoje.
A linguagem de nossos corações reivindica que somos
"ricos e de nada temos falta". O Autor e Consumador
de nossa fé, contudo, diz o oposto.
Essa era a condição espiritual da igreja na década que
precedeu a Sessão da Associação Geral de 1888. A mensageira
do Senhor havia freqüentemente deplorado o amor ao eu que se
tornou tão penosamente evidente em toda a sua difundida
mornidão. Em desesperados esforços para ajudar, ela enviou
mensagens ardentes de admoestação a "nós" nos
anos que precediam a Assembléia de 1888, mensagens para
motivar ministros e povo a recobrarem o profundo e sincero
amor por Jesus que se havia quase tornado perdido. Ela
trabalhou duro, mas por alguma razão os apelos caíram
maiormente em ouvidos moucos e não tiveram êxito.
O Remédio Simples de Deus
Para Um Sério Problema Denominacional
Poderia alguma mensagem dinâmica, alguma simples
"palavra", penetrar o coração de Laodicéia e
cumprir pela igreja num curto período o que décadas de
zeloso ministério espiritual de Ellen White não conseguiram
fazer?
A resposta é sim, segundo o plano do Senhor. Ele quis
enviar tal "palavra" mediante humildes instrumentos em 1888, uma mensagem para ser o
"início" da chuva serôdia e do alto clamor. As
circunstâncias de sua vinda seriam tão humildes como o
"verme" que provocou o secamento da vinha de Jonas,
e tão humilde como o nascimento no celeiro de Belém. Deus
enviou dois jovens e obscuros agentes com uma novel
apresentação da verdade pura. Ellen White sentiu-se
deleitada com a mensagem deles. Viu como propiciava o elo que
faltava no adventismo, a motivação que transformava os
pesados "deveres" do legalismo em alegres
imperativos de devoção apostólica.
Mas ela revelava-se com justiça indignada com irmãos da
liderança que não podiam ver o que estava acontecendo e que
reagiram negativamente. Assim se referiu ela aos dois
mensageiros:
"O sacerdote tomou [o bebê Jesus] em seus braços,
mas nada pôde ali divisar. Deus não lhe falou e disse:
"Esta é a consolação de Israel". Mas tão cedo
Simeão entrou, . . . ali viu o pequeno Bebê nos braços da
mãe, . . . Deus lhe diz, . . . "Este é a consolação
de Israel". . . Ali estava alguém que O reconheceu
porque se achava onde podia discernir as coisas espirituais.
"Não temos dúvida de que o Senhor estava com o
Irmão Waggoner enquanto falava ontem. . . A questão é, tem
Deus enviado a verdade? Tem Deus levantado estes homens para
proclamar a verdade? Digo, sim, Deus enviou homens para
trazer-nos a verdade que não deveríamos ter tido a menos que
Deus houvesse enviado alguém para no-la trazer. . . Eu a
aceito, e não mais ouso erguer minha mão contra estas
pessoas [do que] contra Jesus Cristo, que deve ser reconhecido
em Seus mensageiros. . .Temos estado em perplexidade, e temos
estado em dúvida, e as igrejas estão prontas para morrer.
Mas agora aqui lemos [citação de Apocalipse 18:1]."
(Ms. 2, 1890).
Nosso Problema Hoje
Um século depois, com uma maquinaria organizacional a
nível mundial mais pesada, a dificuldade de retificar a
mesma condição de mornidão "pronta para morrer"
parece ainda mais perturbadora do que foi em 1890. O orgulho e
a mornidão denominacionais em muitas nações e culturas
representam um problema enorme. Não mais se pode esperar que
a mera passagem do tempo propicie um remédio. Até mesmo a
paciência de Deus pode em breve esgotar-se. Os efeitos de
nossa mornidão não serão, não poderão ser tolerados pelo
Senhor mesmo para sempre. É Ele quem diz que O tornamos tão
doentes que sente como que a ponto de vomitar-nos (é isso o
que a linguagem original deixa implícito em Apocalipse 3:16,
17).
A chave para entender nossa atual situação vexatória jaz
numa verdadeira apreciação do que ocorreu na Sessão de 1888
e seus efeitos. Temos de reconhecer a realidade de seus
efeitos espirituais em nosso caráter denominacional por
todo o mundo hoje. A chuva serôdia e o alto clamor começaram
entre nós como uma mensagem simples, nada espetacular, de
poder miraculoso, mas essas bênçãos de incalculável valor
foram impedidas porque o Espírito Santo foi
"insultado".
Como isso pôde ocorrer devemos considerar em nosso
próximo capítulo.
.