Resposta à Palestra Nº 1 do Dr. Rodrigo, do UNASP

 

Circulam pela internet cópias transcritas de quatro palestras proferidas  no IASP, sobre o tema da "Divindade e Trindade, pelo Pastor Rodrigo, formado em teologia em 1991 no IANE, Mestre em 1996 pela Universidade Gregoriana de Roma, da Companhia de Jesus, e Doutor em 2001 pela PUC-SP, atualmente Professor de Grego e arqueologia no UNASP 2. O texto abaixo é o comentário referente à primeira dessa série de palestras.

 

UM ATO FALHO

O pastor Rodrigo inadvertidamente afirma que o grande tema de debate teológico nos últimos dias, iria girar em torno da doutrina de Deus e de Cristo. O pastor cometeu um ato falho. Como trinitariano que é, deveria ter falado em doutrina de Deus, de Cristo e do Espírito Santo. Foi traído pelo seu inconsciente que percebe a existência apenas do Pai e do Filho, mesmo porque, ao usar a palavra Deus, ele a usou como termo específico para o Pai e não para o Filho e muito menos para uma trindade.

JOÃO E OS GNÓSTICOS

O debate que S. João travou com relação à filiação de Cristo com os gnósticos, foi um debate contra as idéias que negavam a filiação divina de Cristo já presente em seu tempo e que estavam tentando entrar para o pensamento cristão primitivo. O pensamento gnóstico considerava impossível Cristo ser filho de Deus e nessa condição de Filho de Deus, ter vindo ao mundo na forma humana, como homem autêntico. Para os gnósticos, se Cristo fosse Filho de Deus, isso implicaria em uma situação de divindade pessoal plena e nessa condição plena de divindade, jamais poderia vir e encarnar num corpo mortal que por ser carne, trazia em si a condição de corruptível.

Sendo impossível para os gnósticos que o homem conhecido como Jesus Cristo fosse o Filho de Deus, o Logos eterno, então, para os mesmos gnósticos, aquele homem era no máximo um anjo encarnado, jamais o Filho de Deus. Ser gnóstico é essencialmente por em dúvida a filiação divina de Cristo em relação ao Pai ou propor no lugar do Cristo filialmente divino, um Cristo semi-divino ou ainda um Cristo substancialmente divino na mesma condição que o Pai, a ponto de eliminar a sua condição plena de Filho de Deus.

Resumindo: ou Jesus não era o Logos, ou se fosse o Logos, sua morte não ocorrerá de fato pois o Logos, por ser imortal, não sofreu na cruz e muito menos morreu na mesma. Para os gnósticos, Jesus e o Cristo não eram as mesmas pessoas. Jesus era um homem comum e não o Filho de Deus encarnado. Jesus ao ser batizado foi possuído por algum ente angelical vindo de Deus e que foi com ele, Jesus, até o calvário. A morte de Jesus na cruz teve apenas algum valor como mártir, mas não teve valor como expiação para os pecados da humanidade. Na realidade para os gnósticos, na cruz não houve a morte do Filho de Deus, não houve a morte do “Logos Eterno”. Este não encarnara na carne corruptível de Jesus e se tivesse encarnado, ele não morreria de qualquer maneira, pois o Logos era imortal.

Foi para se opor a esse erro e demonstrá-lo aos primeiros cristãos é que João escreveu suas cartas e evangelho. A temática que liga os escritos de João, é sua preocupação em demonstrar que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus.

“Quem é mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? È o anti-Cristo esse mesmo que nega o Pai e o Filho.” I João 1:22

 

João queria deixar claro que o Filho de Deus havia vindo em carne e na carne pagara o preço do pecado.

“E todo espírito que não confessa que Jesus veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anti-Cristo, do qual já ouviste que há de vir, e eis que está já no mundo”. I João 4:3

Gnosticismo cristão é essencialmente negar a filiação divina de Cristo em relação ao Pai e essa negação pode ser feita de duas maneiras: negando simplesmente que o homem Jesus seja o Filho de Deus, ou afirmando sua condição de Logos e a partir disso, também afirmar que por ser o Logos, ele não pode ser Filho de Deus. O termo filho aqui entendido não como uma expressão metafórica e sim como realidade. Percebe-se que tanto o arianismo como o trinitarianismo carregam um viés gnóstico.

 

A TRINDADE NASCEU EM NICÉIA?

Não é porque alguém comete o engano de afirmar que a doutrina da trindade começou no Concílio de Nicéia, que ela não exista e nem que a mesma não seja errada. Também é sabido que no referido concílio nunca foi afirmada a existência de três pessoas divinas e muito menos foi dado qualquer possibilidade de se compreender Deus como a Doutrina da Trindade ensina. No entanto, são os próprios trinitarianos que sempre afirmaram que o dogma trinitario, na sua caminhada até o aperfeiçoamento passou pelo Concílio de Nicéia. Se alguém cometeu um erro histórico, o pastor Rodrigo cometeu outro quanto fez a seguinte afirmação: 

“O conceito da trindade existia muitos anos antes de Nicéia. O primeiro a usar o nome trindade foi Tertuliano no ano 150. Tertuliano morreu no ano 225. O concilio se deu cem anos mais tarde. Tertuliano nem conheceu Constantino. Constantino nem tinha nascido. Então como é que a pessoa publica na internet, lá assim: Constantino pai do dogma da trindade, sendo que esse era o conceito que a igreja tinha cem anos antes.“

Impossível!? O próprio dogma formulado no concílio mencionado desmente a afirmação do pastor. Leiam o dogma que está na palestra do pastor e medite.

“Cremos em um só Deus, esse é o credo de Nicéia, pai onipotente, criador de todas as coisas, invisíveis e visíveis, e em um só senhor, Jesus Cristo o filho de Deus, gerado pelo pai, unigênito, isto é, da mesma substância do pai, Deus vindo de Deus, luz vinda da luz, Deus verdadeiro vindo do Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra, o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu, e se encarnou, e fez homem, e sofreu, e ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir para julgar os vivos e os mortos e no espírito santo."

Esse dogma é completamente antitrinitariano. Na época nem de longe existia pensamento teológico que se aproximasse do dogma trinitariano que é aceito hoje pelo mundo cristão herdeiro do catolicismo.

Nesse dogma, a pessoa do único Deus é apresentada como sendo a pessoa do Pai. “ Cremos em um só Deus, esse é o credo de Nicéia, pai onipotente, criador de todas as coisas, invisíveis e visíveis.”

No mesmo credo, a pessoa do Filho é apresentada com as seguintes palavras:

e em um só senhor, Jesus Cristo o filho de Deus, gerado pelo pai, unigênito, isto é, da mesma substância do pai, Deus vindo de Deus, luz vinda da luz, Deus verdadeiro vindo do Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra, o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu, e se encarnou, e fez homem, e sofreu, e ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir para julgar os vivos e os mortos e no espírito santo. “

O Concílio de Nicéia foi uma resposta do Cristianismo Católico às proposituras de Ário que também entendemos como heréticas, mas numa outra concepção. Mas no ensino ariano, o que era o Logos?

“O Logos não seria o verdadeiro Deus, sendo antes essencialmente diferente dele, nem eterno nem omnipotente, mas temporalmente criado, imperfeito e sofredor. É certo que era a primeira de todas as criaturas e muito superior aos homens, podendo assim ser designado de semideus (demiurgo). Mas a divindade não lhe pertencia por si.” FRANZEN, August. Breve História da Igreja. Lisboa: Editorial Presença, 1996. p. 85

Para o arianismo, Cristo era essencialmente uma criatura, a primeira de todas as criaturas. Negava-se a divindade de Cristo, a partir da negação da sua filiação divina. Não era filho, era criatura e como criatura, desprovido de todos os atributos da divindade.

O frei Leonardo Boff, teólogo profundo conhecedor do dogma trinitariano, em seu livro “A Trindade e a Sociedade” afirma o seguinte a respeito do pensamento ariano: “Ario e seus discípulos enfatizavam o fato de que Jesus foi um ser humano perfeitíssimo; porque nele armou o Logos a sua tenda; Ele estava cheio de Espírito; Alcançou os píncaros da perfeição a ponto de merecer um nome divino. Foi pelo Pai adotado como seu Filho. Mas face ao mistério abissal do Pai, o Filho permanece sempre subordinado (subordinacionismo porque criado ou gerado pelo Pai, ou por subordinacionismo adopcionista porque mereceu ser adotado pelo Pai). Caracteriza-se como a criatura mais semelhante ao Pai que se possa conceber, sem entretanto chegar à igualdade de natureza com o Pai.”

Está muito claro que para o pensamento ariano, Cristo não era Filho de Deus no sentido clássico do termo. Era no máximo a primeira e única criatura que fora adotada por Deus como a um filho. Era assim que Ario negava a divindade de Cristo, negando sua filiação em relação ao Pai. Se não era Filho de Deus, não era Deus no sentido substantivo. Para nós, corrente antitrinitariana dentro do adventismo, filho de peixe é peixe, Filho de Deus é Deus em relação aos atributos divinos, mas em relação à ordem hierárquica, Deus, só existe um, o Pai e não uma trindade impessoal.

 

CONSTANTINO E O CONCÍLIO DE NICÉIA

No tempo de Constantino não havia apenas um Cristianismo. Um outro também muito forte ameaçava e concorria com o Cristianismo católico, o Cristianismo ariano. Era essa vertente também errada do Cristianismo que representava uma dupla ameaça: ameaça para o Cristianismo católico e ameaça para o Império, pois inúmeras das forças bárbaras que forçavam as fronteiras do Império, eram arianas.

“Outro fato de capital importância transformara a face dos invasores bárbaros. Embora uma parte dele se tivesse mantido pagã, outra, e não pequena, cristianizara-se. Mas, por um curioso acaso que viria mostrar-se carregado de conseqüências, esses Bárbaros convertidos – Ostrogodos, Visigodos, Burgúndios, Vândalos e, mais tarde, Lombardos – tinham sido convertidos ao arianismo, que, depois do concílio de Nicéia, era uma heresia. De facto, tinham sido cristianizados pelo “apóstolo dos godos”, Ulfila, neto de capadócios cristãos aprisionados pelos Godos em 264. A criança “gotizada”, fora enviada, ainda jovem, para Constantinopla, onde fora ganha para o arianismo. Voltando para os Godos como bispo missionário, traduziu a Bíblia para o gótico a fim de os edificar e assim os fez heréticos. De modo que aquilo que poderia ter sido um laço religioso foi, pelo contrário, um tema de discórdia e gerou lutas ásperas entre os Bárbaros, arianos, e os Romanos, católicos.” GOFF, Jacques Le. A Civilização do Ocidente Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p. 38 e 39. 

A união de Constantino com os cristãos católicos, era uma aliança estratégica, pois os bárbaros arianos representavam uma ameaça para os dois. Precisava haver uma justificativa ideológica para unir os cristão ao imperador na luta contra os bárbaros arianos. O meio foi a dogmatização de um pensamento teológico contrário ao pensamento cristão bárbaro e como isso, encará-los como inimigos do Império e inimigos da fé cristã católica. A data de 325, foi o desenlace do processo de demonização dos bárbaros que não acontecia isolado de um outro processo também muito significativo para o Cristianismo: o afastamento do Cristianismo católico das suas heranças judaicas. Os judeus também passavam por um processo de demonização que tinha como objetivo justificar a expropriação de seus bens por um Estado que estava em situação de falência. No processo de demonização do judaísmo, o sábado, herança judaica, foi substituído pelo domingo, dia do sol no calendário religioso pagão.

“Constantino passou a favorecer abertamente o Cristianismo a partir de 312. Isentou clérigos dos encargos públicos, privilégio de que já gozavam os encarregados do culto pagão (312 – 313), zelou pela abolição da pena por crucificação (315), concedeu a Igreja a autorização de aceitar doações (321) e, no mesmo ano, ordenou, mediante mediante uma lei imperial, que o domingo se tornasse feriado.” FRANZEN, August. Breve História da Igreja. Lisboa: Editorial Presença, 1996. p. 72 

O caminho para apostasia estava sendo aberto e no comando estava alguém que os olhos não podem ver. Tendo sido tirado o dia de adoração ao verdadeiro Deus e como a anuência do Cristianismo católico, no futuro, não seria difícil tirar do Cristianismo a idéia judaica do monoteísmo reconhecido na única pessoa do Pai.

 

TERTULIANO ERA TRINIATARIANO NO SENTIDO MODERNO?

Segundo o pastor Rodrigo, também Tertuliano, teólogo anterior ao Concílio de Nicéia, já conhecia e pregava o conceito trinitariano de Deus. O pastor afirmou que Tertuliano conhecia o dogma trinitariano atual com relação ao seu conceito e que Tertuliano foi a primeira pessoa a usar o termo trindade. A única verdade que existe nessa fala do pastor, é que de fato, Tertuliano foi quem trouxe para a teologia a palavra trindade. Ele trouxe apenas a palavra e não o conceito atual do dogma trinitariano. A formulação do dogma que é aceita atualmente ocorreu muito posteriormente. Disso falarei mais na frente.

Quando Tertuliano apresentou sua idéia trinitaria para os cristãos simples do seu tempo, a reação, segundo o frei Leonardo Boff no livro “A Trindade e a Sociedade”, foi a seguinte: “Assim, por exemplo, quando Tertuliano divulgou a expressão “Trindade”, “economia” (a ordem entre os Nomes divinos, primeiro o Pai, segundo o Filho e terceiro o Espírito Santo) e outras, sentiu o desconcerto provocado entre os fiéis simples que sempre constituem a grande maioria do povo cristão. Eles se haviam convertido do politeísmo à fé num único Deus. Fora um grande passo. Agora com a proclamação da Trindade tinham a impressão de que retornavam ao que tinham abandonado, ao politeísmo. 'Monarchiam, inquiunt, tenemus!' gritavam; quer dizer: 'Temos, diziam a monarquia' (o monoteísmo). Tertuliano, eminente teólogo, confessa: 'Estas pessoas simples constantemente nos acusam de pregar dois ou três deuses, e estão convencidas de que são elas as que adoram o único Deus' “.

Dizer que o dogma trinitariano já existia tal como é hoje já nos anos da vida de Tertuliano, é anacrônico. Na sua formulação trinitaria, Tertuliano coloca o Pai como origem e causa eterna tanto do Filho como do Espírito e essa forma trinitaria de pensar a trindade, nada possui de parecido com o trinitarianismo aceito pelos adventistas que vê nas pessoas divinas, simultânea eternidade, onipresença, onipotência e imortalidade. Os atributos divinos das pessoas divinas, não são por derivação de uma para as outras.

Tertuliano jamais ensinou a trindade atual. No máximo é possível afirmar que ele foi um dos estágios no desenvolvimento do dogma, mesmo porque, ainda no em meados do II século depois de Cristo, segundo Leonardo Boff, no livro já citado, o voto batismal praticado pela então igreja, e hoje ainda pela Igreja Católica, é o que se segue: “Creio e Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, um só seu Filho Nosso Senhor; que foi concebido do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado e sepultado, ao terceiro dia ressuscitou do mortos, subiu aos céu, está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espirito Santo, na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão do pecados,na ressurreição da carne, na vida eterna.”

Os primeiros cristãos criam no Pai, no Filho e no Espírito Santo, assim como eu, mas não numa concepção trinitariana. Criam no Pai, no Filho e no Espírito Santo, mas dentro da concepção simples da Bíblia. Boff, a respeito da crença primitiva no Pai, no Filho e no Espírito Santo, diz o seguinte: “Tudo isso era celebrado, proclamado e crido mas não refletido”. Eles não precisam refletir pois a verdade já estava posta: Deus é Pai, Cristo é Filho e o Espírito sendo de Deus, procede de Deus.

 

TRINITARIANISMO A QUALQUER PREÇO

Infelizmente a palestra do senhor Rodrigo é uma grande colcha de retalhos e isso dificulta perceber uma linha concatenada de raciocínio. É possível prever onde o mesmo quer chegar, porém somente os que conhecem os temas em cima dos quais ele elaborou seu discurso, estão em condições de perceber suas incorreções. Além do que já tratei, quero também apreciar a seguinte fala do referido senhor:

“Enquanto o cristianismo era a democratização dos mistérios de Deus, admitindo que Deus é um mistério. O gnosticismo, essa doutrina aí, ensinava o contrario, que Deus tem de ser plenamente conhecido por aqueles que são entendidos “

O pastor Rodrigo nesta fala trabalha um conceito de mistério que não é o mesmo conceito nem dos gregos e muito menos da Bíblia. O conceito de mistério na palestra do doutor em teologia, é o conceito moderno, tradicional e que está presente nos modernos dicionários de língua portuguesa. Para os gregos e para os escritores bíblicos, mistério tinha outra significado. “Mistério” para os antigos significava o conjunto de crenças a ser ensinado aos que aceitavam determinada corrente filosófica ou religiosa. Os “mistérios” eram para ser conhecidos pois eles eram o conjunto de ensinos que explicavam e definiam a fé. É por isso que Cristo disse: “A vós e dado conhecer os mistérios do reino de Deus”.

Os mistérios cristãos nada mais eram que o conjunto dos ensinos que definiam o Cristianismo. Como é que o Cristianismo poderia democratizar um mistério se o mesmo não pudesse ser conhecido? Os “mistérios” da Bíblia não estão na mesma categoria dos mistérios impossíveis de serem conhecidos, como por exemplo, a Doutrina da Trindade ou mistério da Santíssima Trindade. Paulo, o apóstolo, pelo contrário, recebeu a incumbência de revelar ao mundo os “mistérios” que estavam escondidos em Deus que tudo conhece. Os “mistérios” da Bíblia são para serem conhecidos, entendidos e pregados e ainda com o uso da razão. O que significa mistério para os estudiosos das línguas antigas? 

“A compreensão mais originária e correta de mistério vem da Igreja Antiga. Mistério significava não uma realidade escondida e incompreensível ao intelecto humano. Mistério era o desígnio de Deus revelado a pessoas privilegiadas.” BOFF, Frei Leonardo. A trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Editora Vozes.

Musterion, no grego clássico significava 'alguma coisa oculta' 'um segredo' revelado ao mustes, ao iniciado. Entre os pagãos musterion usualmente é empregado no plural que é musteria para 'segredos' ou 'doutrinas secretas', a serem reveladas unicamente àqueles que tinham sido iniciados.” SILVA, Pr. Horne. Cristologia. I.A.E p. 14

 

O pastor também trata da questão de palavras que apesar de não aparecerem na Bíblia, segundo ele, o conceito que elas trazem está lá presente.

“Na bíblia não aparece a palavra... Sim, sim, veja bem, irmão. Na bíblia não aparece a palavra milênio. Na bíblia não aparece a palavra temperança. Na bíblia não aparece vária palavras que nós temos no cristianismo hoje.”

Quando o pastor usa esse raciocínio, ele diz que, a palavra trindade não precisa aparecer na Bíblia para que nós possamos tê-la (a doutrina) como uma verdade. A palavra milênio e temperança também não aparecem e nem por isso negamos sua realidade. Quero lembrar que não se trata da presença ou não de palavras e sim do conceito. Se não aparece a palavra milênio, aparece o termo “mil anos” que conceitua plenamente a idéia. Se não aparece a palavra temperança, aparece a expressão “domínio próprio”, que significa entre outras coisas, temperança. Pergunto ao pastor: onde na Bíblia aparece o conceito trinitário de Deus? Eu disse o conceito e nas as expressões Pai, Filho e Espírito Santo.

Outro raciocínio interessante do pastor é o seguinte:

“ É o pessoal que segue Ário que crê no politeísmo. Eu vou explicar por que. Se cristo é um ser criado, ou emanado, então, Cristo não é Deus plenamente. E somente Deus poderia salvar a humanidade, de fato Ellen White fala isso, que até os anjos queriam ir e não puderam. Se Cristo é um Deus menor, e criado, então o que Ário está me sugerindo é adorar à criação. Adorar dois deuses. Um deus maior, Deus Pai, e um Deus menor, Cristo. Politeísmo.”

Qual conceito de Deus serve de referência para o argumento do pastor? Certamente não é o conceito Bíblico. Pela Bíblia, só há um Deus, o Pai. Com base nesse conceito bíblico, os arianos estão errados quando propõem para Cristo a condição de um Deus menor. Deus é absoluto; ou é ou não é. Se os arianos são politeístas, por que os trinitarianos também não o são? os trinitarianos insistem em dizer que não, mas não são outra coisa senão isso mesmo.

O raciocínio é simples: Cristo é Deus? Sim. O Pai é Deus? Sim. O Espírito Santo é Deus? Sim. Para as três perguntas as respostas sempre são afirmativas. Dá para negar que não estejam falando de três Deuses?. O Pai, o Filho e o Espírito são distintos entre si? A resposta é afirmativa. Dá para negar que não estejam falando em três Deuses. Os atributos da divindade pertencem individualmente e distintamente a cada uma das três pessoas? Se a resposta for afirmativa então estamos falando de três Deuses. Por outro lado, se a resposta for negativa, então nenhuma das três pessoas não são Deus. Dá para negar que não se esteja falando em três Deuses? É claro que não. Mas admitir isso é abraçar o politeísmo e isso os trinitarianos não podem fazer abertamente.

Para fugir ilusoriamente ao politeísmo, então entram num círculo vicioso de negação da afirmação. Afirmam três Deuses e logo em seguida negam. É o mistério da trindade! Por isso foi necessário colocar e entender o termo mistério numa outra acepção diferente da idéia original dos antigos. Os trinitarianos estão em um círculo vicioso que os teólogos católicos a muito tempo já compreenderam e admitiram. Para os teólogos católicos, “as Pessoas se definem pela relação de uma com a outra; elas jamais são absolutas, subsistentes em si mesmas (isto isto é o que caracteriza a essência).”

Traduzindo para a linguagem comum as palavras do frei Leonardo Boff: ele simplesmente quis afirmar que os atributos da divindade não são propriedade, não pertencem individualmente à cada uma das pessoas divinas; as pessoas divinas, não são Deus por si mesmo. Caso fossem cada uma delas individualmente Deus, então os trinitarianos teriam três Deuses no sentido absoluto e portanto, seriam declaradamente politeístas.

Como resolver esse grande problema? Não há como resolver. Uma saída seria dar para a essência divina, para a divindade da qual as três pessoas são parte, os atributos da divindade e fazendo isso, cria-se outro problema insolucionável: a essência se tornaria uma pessoa real e nas palavras do frei que está sendo citado, “a essência não pode ser real, senão teríamos uma quaternidade: uma essência e mais as três pessoas”. Nesse erro incorreu o falecido pastor Chrstianini quando usou argumento que propõe pessoas divinas destituídas dos atributos da divindade.

"A negação da Trindade advém primeiramente de um grande erro: conceituar pessoas divinas como se conceituam pessoas humanas. 'Em teologia , como em qualquer outra ciência, há necessidade absoluta de alguns termos técnicos. Quando dizemos que há três pessoas distintas na divindade, não queremos com isso, dizer que cada uma delas é tão separada da outra , como um ser humano está separado de todos os demais. Embora se diga que se amam, se ouçam, orem um aos outros, enviem um aos outros, testifiquem uns dos outros, não são no entanto, independentes entre si; porque como já dissemos, auto-existência e independência são propriedades, não das pessoas individuais, mas do Deus Triúno.'" CHRISTIANINI, Arnaldo B. Radiografia do Jeovismo. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1975. p. 95

No caso, os trinitariano teriam quatro e não apenas três deuses; um maior e outros três menores. Uma outra saída seria manter a unidade da essência divina e encarar as três pessoas divinas como manifestações dessa essência. O perigo dessa solução, nas palavras do frei Boff, é a seguinte: “o risco permanente desta concepção que parte da unidade da essência divina reside no modalismo, quer dizer, as Pessoas aparecem como modos do mesmo Ser, não havendo realmente um três em Deus; permaneceríamos, então sempre no nível do monoteísmo.” Conclusão, não existe saída viável e por isso foi necessário jogar uma capa de “mistério” em cima do dogma trinitariano e fazer a proposta de que o mesmo seja aceito pela fé e não pela razão. Ao invés de chamar o dogma de mistério não seria melhor chamá-lo de mentira?

O pastor na construção do seu discurso trinitariano argumentou ainda usando os verbos e os pronomes que em alguns versos do Antigo Testamento estão no plural: desçamos, façamos, confundamos, um de nós. Quando ele usa esse discurso, está batendo frontalmente com o discurso da profetiza da sua igreja.

“Mas quando Deus disse a seu Filho: 'Façamos o homem à nossa imagem', Satanás teve ciúmes de Jesus... Ele desejou receber no céu a mais alta honra depois de Deus.” WHITE, Ellen. Primeiros escritos. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1988, p. 145

Me parece que para a profetiza adventista, “façamos”, não era uma trindade falando, mas a pessoa do Pai falando para a pessoa do Filho.

Outro argumento utilizado está relacionado com com a palavra hebraica Elloin, que no argumento do pastor se tornou um termo que designa uma pluralidade quantitativa. O pastor está errado e inclusive erra contra o entendimento dos seus pares teólogos ao abordar o assunto. Para o professor Pedro Apolinário, o termo Elloin, tem outro sentido.

Elloin inclui a plenitude da divindade. 'Seu uso no plural tem levado alguns a quererem provar com ele a Doutrina da Trindade'. Sabemos que o plural nas línguas semíticas servia como uma espécie de superlativo ou de intensidade. Por exemplo a palavra céu aparecia sempre na forma plural para designar sua majestade ou extensão. O mesmo acontece com a palavra mar.” APOLINÁRIO, Pedro. Apostila sobre as testemunhas de Jeová e a exegese. São Paulo: I.A.E, 1981. p. 62 

Caro pastor Rodrigo e outros: entendam que a palavra Elloin, é uma forma de plural qualitativo e não quantitativo.

“Al referirse a Dios, se usa el substantivo Elohim casi exclusivamente en plural. Algunos han entendido que aqui se deja traslucir la doctrina de la Trindade. Fue Elohim quien dijo: 'hagamos al hombre a nuestra imagen. Conforma a nuestra semejanza.' Este del plural sugiere ciertamente a plenitud y las múltiples capacidades de los atributos divinos. Al mismo tempo, el uso constante de la forma singular del verbo (disse Deus) recalca la unidad de la Deidad y constituye uma repreensión para el politeísmo”. COMENTÁRIO BÍBLICO ADVENTISTA. Tomo I, p. 180

Poderia fazer várias outras citações de outros eruditos, mas se não são capazes de crer nos da casa, crerão em quem não são?

Por enquanto vou ficando por aqui. Assim que tiver tempo escreverei a respeito das outras palestras do pastor Rodrigo. -- Elpídio da Cruz Silva, adventista bereano do sétimo dia.

Série de artigos anti-trinitarianos do mesmo autor (Irmão Elpídio):

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